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São Paulo, quinta-feira, 06 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

"Decisão na ONU será política, não legal"

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O Conselho de Segurança (CS) da ONU é um órgão político, mas deveria levar em conta o aspecto legal de suas decisões. Na prática, porém, ele não se preocupa muito com a Justiça internacional.
A afirmação é de Allan A. Ryan, professor de direito internacional na Universidade Harvard (EUA). Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
 

Folha - O CS é um órgão político, não judiciário, mas toma decisões que afetam a Justiça internacional. Na prática, como isso funciona?
Allan A. Ryan -
O CS e a própria ONU são órgãos políticos, que não tomam decisões baseados em textos legais, como faria uma corte. Contudo eles deveriam seguir a lei internacional ou, ao menos, tê-la em mente ao tomar decisões políticas. Mas, na prática, o CS nunca se preocupou muito com os princípios da Justiça internacional. A gravação mostrada por Colin Powell, por exemplo, não tem valor legal numa corte.
Ademais, muitos aspectos das leis internacionais são controversos. Para cada argumento levantado sobre um certo tema, há um contra-argumento respeitável. A própria essência das leis internacionais, que buscam harmonizar interesses e princípios tão diversos quanto importantes das leis nacionais, faz com que não haja consenso sobre elas.

Folha - Mas um ataque ao Iraque sem a anuência da ONU seria contrário à Justiça internacional?
Ryan -
Não necessariamente. Primeiro, os EUA dirão que já têm um mandato da ONU. Afinal, desde 1991, a entidade adotou várias resoluções que exigiam a cooperação iraquiana. Todavia a discussão sobre a legitimidade de dar início a uma guerra também deverá ser resolvida por meio de uma decisão política, não legal.
Segundo, não há nenhum aspecto da Justiça internacional que exija um voto de confiança da ONU antes de sua aplicação. É lógico que é melhor ir à guerra com o apoio dos aliados e um mandato claro da maior instituição internacional do planeta, mas isso não é uma condição "sine qua non".
Terceiro, é praticamente impossível chegar a um consenso sobre a legalidade de uma guerra, pois há muitos interesses distintos envolvidos na discussão e uma miríade de possíveis interpretações das leis. Já vimos isso em outros casos, como na Guerra do Vietnã.

Folha - Então a resolução 1441 já abre caminho para o uso da força militar ao dizer que o Iraque poderia sofrer "sérias consequências" se não cooperasse com a ONU?
Ryan -
É exatamente isso que diz Washington, mas essa afirmação também é discutível. Creio que os EUA tenham um argumento forte, pois, à luz das resoluções anteriores, a ação militar pode ser justificada. Porém, se o restante do planeta disser que isso não é verdade, a questão se tornará, mais uma vez, uma disputa política.

Folha - A França diz que há mecanismos legais pacíficos para forçar o Iraque a cooperar. Quais?
Ryan -
Certamente, as autoridades francesas pensam em sanções econômicas ou diplomáticas, cuja aplicação talvez permitisse que os inspetores de armas da ONU tivessem mais tempo para trabalhar no Iraque. Todavia, com certeza, Washington dirá que elas já foram impostas ao Iraque e não atingiram o objetivo esperado.


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