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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003

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ANÁLISE

Pressão européia não deverá evitar o conflito

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A decisão da França, da Rússia e da Alemanha de tomar uma posição conjunta contrária à guerra coloca os EUA numa sinuca diplomática, mas não afeta sua determinação de lançar uma ofensiva militar contra o Iraque para depor o ditador Saddam Hussein.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, em princípio, o governo dos EUA deverá manter a estratégia aplicada até agora na cena diplomática e, ao mesmo tempo, intensificar os preparativos militares na região do golfo Pérsico.
Assim, além de pressionar Saddam a talvez cogitar a idéia de deixar o poder para evitar a guerra, Washington mostrará aos membros do Conselho de Segurança ainda indecisos que a decisão européia não arrefeceu seu ímpeto.
"A estratégia americana é convencer 5 dos 6 indecisos da necessidade da guerra. Com isso, haveria os nove votos necessários para a adoção da resolução, o que colocaria a Rússia e a França numa posição difícil", analisou James Lindsay, ex-diretor para questões globais e assuntos multilaterais do Conselho de Segurança Nacional dos EUA (1996-1997).
"Afinal, vetar uma decisão majoritária do CS não é algo muito confortável diplomaticamente. A estratégia será mantida até o ponto em que os EUA perceberem que não terão chances de vencer a votação no CS", acrescentou.
Os europeus contrários à guerra, por sua vez, podem também ter feito a declaração conjunta para influenciar os indecisos.
"Em diplomacia, o efeito de um anúncio gera consequências que, às vezes, tornam a aplicação da medida anunciada desnecessária, pois o anúncio já surtiu o efeito esperado. Assim, não podemos dizer que a França e a Rússia realmente estejam determinadas a aplicar o veto no CS", explicou Chistian Lequesne, diretor do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (França).
Todavia, para Charles Kupchan, pesquisador no Council on Foreign Relations (EUA), a "escalada da retórica diplomática poderá compelir a Rússia e a França a tomar uma atitude drástica".
"Moscou e Paris só poderão mudar de tom e não vetar a aprovação do texto se houver um fato novo. Este poderia aparecer na apresentação de Blix no CS, no entanto tudo indica que ele dirá que Bagdá intensificou sua colaboração com os inspetores da ONU recentemente", afirmou Kupchan, referindo-se ao chefe dos inspetores da ONU, o sueco Hans Blix, que fala amanhã no CS.
De fato, Saddam vem destruindo seus mísseis Al Samoud 2, que são proibidos para o país, desde o último sábado. Ademais, Bagdá promete entregar à ONU, na próxima segunda, um relatório em que revelará como e quando seus estoques do gás dos nervos VX e de antraz foram destruídos.
Todavia Washington poderá nem apresentar o projeto de resolução para votação se não acreditar em sua aprovação. "Os EUA não querem correr riscos, pois, em tese, poderão dizer que a resolução 1441 já permite um ataque ao Iraque [em caso de não-colaboração com a ONU] e que Saddam não desativou seus programas de armas", declarou Lindsay.
A Justiça internacional não contradiz essa visão. "Creio que os EUA tenham um argumento forte. À luz de resoluções anteriores, a ação militar poderia ser justificada. Porém, se o restante do planeta disser que isso não é verdade, a questão se tornará uma disputa política. E o CS é um órgão político, não legal", expôs Allan Ryan, professor de direito internacional na Universidade Harvard (EUA).
Assim, se complica as coisas para Washington na cena político-diplomática, a posição conjunta dos europeus não mina a determinação dos EUA de depor Saddam. Na verdade, para George W. Bush e para seus principais assessores, a recusa do Parlamento turco a permitir a passagem de militares americanos por seu território talvez seja um problema bem mais grave, visto que poderá atrasar a invasão do Iraque.


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