São Paulo, sexta-feira, 06 de março de 2009

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Especialista vê em mea-culpa veto a linhas divergentes

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

As cartas de "mea-culpa" de dois ex-altos dirigentes cubanos demitidos foram uma exigência de Raúl Castro. Além de praxe do regime, a intenção é neutralizar qualquer esperança dos pequenos grupos dissidentes de tentarem se unir a eles, em especial a Carlos Lage, que angariou a fama de "reformista" econômico.
Essa é a interpretação do sociólogo cubano-dominicano Haroldo Dilla, que acompanha a dinâmica do poder na ilha. "A ideia é: os jovens foram castigados, mas justamente castigados", diz ele. "Saem arrependidos de seus erros, humilhados e leais a Fidel", resume.

 

FOLHA - Qual o objetivo da mea-culpa de Lage e Pérez Roque?
HAROLDO DILLA
- É um método conhecido, stalinista. Fazer os dois assinarem uma carta com quase o mesmo conteúdo, sem qualquer espécie de argumentação séria, sem falar quais foram os erros. Isso é para desprestigiá-los, acabar com qualquer tentativa de que pudessem liderar alguma corrente descontente, pudessem ser capitalizados pela oposição [em Cuba, é ilegal]. Principalmente Lage, que tinha essa imagem de "liberal" -ainda que eu não acredite nisso. Sei que em Cuba apareceram cartazes em cidades chamando Lage ao governo, de grupos de oposição. Agora, eles saem arrependidos de seus erros, humilhados e leais a Fidel. Não saem do partido, continuam na "família revolucionária". A ideia é: os jovens foram castigados, mas justamente castigados. A carta é espécie de acordo imposto.

FOLHA - É uma prática comum do regime, mas isso funciona, nos dias de hoje, com a população?
DILLA
- A "autocrítica" pode ser escrita ou oral. No caso de Roberto Robaina, o ex-chanceler, foi escrita. Isso começou em 1967, com uma carta famosa de Erberto Padilla. Agora, hoje isso funciona para uma parte da sociedade, os menos educados, mais fiéis à revolução, mais paternalistas. Mas não funciona com os jovens, com a parte mais escolarizada. É a máxima: pode-se governar com 20% de apoio, desde que os demais 80% não se oponham.

FOLHA - O sr. disse ver na "reflexão" de Fidel sobre os demitidos a tentativa de aparecer. As cartas são a continuação desse roteiro?
DILLA
- As cartas foram uma exigência de Raúl, a atitude de Fidel foi um ruído, muito desagradável, de quem está querendo aparecer como quem ainda manda, toma decisões. É a manobra de um homem velho. As substituições são obra de Raúl, em aliança com Ramón Machado Ventura [primeiro-vice-presidente], da velha guarda do partido. É uma aliança conservadora que retirou outras correntes, que centraliza o raulismo e retoma o monopólio da relação com Hugo Chávez.

FOLHA - Há especulações de que o "erro" deles, ou de algum deles, foi tentar algum contato direto com os EUA. O sr. acha possível? Ou que eles seriam nomes ambiciosos demais para manter no poder, como sugeriu Fidel...
DILLA
- Não acho essa hipótese provável. O chanceler Pérez Roque era um homem duro, de discursos fortes. Quanto ao peso político, nenhum político em Cuba tem base. Ela é conferida a alguém da mesma maneira que é retirada. Eles não têm a mínima condição, neste sistema, de terem alguma relevância. Se houver uma quebra, talvez sim. Mas hoje não.


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