|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Especialista vê em mea-culpa veto a linhas divergentes
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
As cartas de "mea-culpa" de
dois ex-altos dirigentes cubanos demitidos foram uma exigência de Raúl Castro. Além de
praxe do regime, a intenção é
neutralizar qualquer esperança
dos pequenos grupos dissidentes de tentarem se unir a eles,
em especial a Carlos Lage, que
angariou a fama de "reformista" econômico.
Essa é a interpretação do sociólogo cubano-dominicano
Haroldo Dilla, que acompanha
a dinâmica do poder na ilha. "A
ideia é: os jovens foram castigados, mas justamente castigados", diz ele. "Saem arrependidos de seus erros, humilhados e
leais a Fidel", resume.
FOLHA - Qual o objetivo da mea-culpa de Lage e Pérez Roque?
HAROLDO DILLA - É um método
conhecido, stalinista. Fazer os
dois assinarem uma carta com
quase o mesmo conteúdo, sem
qualquer espécie de argumentação séria, sem falar quais foram os erros. Isso é para desprestigiá-los, acabar com qualquer tentativa de que pudessem liderar alguma corrente
descontente, pudessem ser capitalizados pela oposição [em
Cuba, é ilegal]. Principalmente
Lage, que tinha essa imagem de
"liberal" -ainda que eu não
acredite nisso. Sei que em Cuba
apareceram cartazes em cidades chamando Lage ao governo, de grupos de oposição.
Agora, eles saem arrependidos de seus erros, humilhados e
leais a Fidel. Não saem do partido, continuam na "família revolucionária". A ideia é: os jovens foram castigados, mas justamente castigados. A carta é
espécie de acordo imposto.
FOLHA - É uma prática comum do
regime, mas isso funciona, nos dias
de hoje, com a população?
DILLA - A "autocrítica" pode ser
escrita ou oral. No caso de Roberto Robaina, o ex-chanceler,
foi escrita. Isso começou em
1967, com uma carta famosa de
Erberto Padilla. Agora, hoje isso funciona para uma parte da
sociedade, os menos educados,
mais fiéis à revolução, mais paternalistas. Mas não funciona
com os jovens, com a parte
mais escolarizada. É a máxima:
pode-se governar com 20% de
apoio, desde que os demais
80% não se oponham.
FOLHA - O sr. disse ver na "reflexão" de Fidel sobre os demitidos a
tentativa de aparecer. As cartas são
a continuação desse roteiro?
DILLA - As cartas foram uma
exigência de Raúl, a atitude de
Fidel foi um ruído, muito desagradável, de quem está querendo aparecer como quem ainda
manda, toma decisões. É a manobra de um homem velho. As
substituições são obra de Raúl,
em aliança com Ramón Machado Ventura [primeiro-vice-presidente], da velha guarda do
partido. É uma aliança conservadora que retirou outras correntes, que centraliza o raulismo e retoma o monopólio da
relação com Hugo Chávez.
FOLHA - Há especulações de que o
"erro" deles, ou de algum deles, foi
tentar algum contato direto com os
EUA. O sr. acha possível? Ou que eles
seriam nomes ambiciosos demais
para manter no poder, como sugeriu Fidel...
DILLA - Não acho essa hipótese
provável. O chanceler Pérez
Roque era um homem duro, de
discursos fortes. Quanto ao peso político, nenhum político
em Cuba tem base. Ela é conferida a alguém da mesma maneira que é retirada. Eles não têm a
mínima condição, neste sistema, de terem alguma relevância. Se houver uma quebra, talvez sim. Mas hoje não.
Texto Anterior: Brasileiros próximos se dizem surpresos Próximo Texto: Chávez recua e limita a uma fábrica ocupação da Cargill Índice
|