São Paulo, sexta-feira, 06 de março de 2009

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Chávez recua e limita a uma fábrica ocupação da Cargill

Venezuelano havia decretado expropriação da multinacional, mas medida prevê indenização

Analistas temem crise de desabastecimento de alimentos no país, que importa 50% dos produtos básicos que consome

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Militares e funcionários do governo venezuelano assumiram ontem de manhã o controle da fábrica de arroz da multinacional norte-americana Cargill, horas depois de o presidente Hugo Chávez ter decretado a sua expropriação. Em aparente recuo, a medida, no entanto, não se estendeu a outras 12 unidades da empresa no país e deverá incluir uma indenização.
Localizada na cidade de Acarigua (340 km de Caracas), a fábrica de arroz da Cargill tem cerca de 150 empregados e representa 7,7% do total produzido na Venezuela. Nos últimos dias, outras duas empresas do setor, a Polar e a Mary, sofreram intervenção militar e foram obrigadas a produzir arroz branco, cujo preço está congelado pelo governo.
Chávez acusou as três empresas de produzir variedades de arroz "com sabor" para escapar do tabelamento de preços. Nesta semana, emitiu um decreto que obriga as fábricas do setor de alimentos a produzir uma cota de até 95% de produtos tabelados. A medida inclui 12 produtos, entre os quais leite em pó e macarrão.
As empresas alegam que a legislação assegura o direito de fabricar em diversas apresentações e afirmam que os preços congelados não cobrem nem sequer os custos de produção devido à inflação alta -3,6% no primeiro bimestre do ano.
Ontem, a Cargill informou, em nota, que sua produção na Venezuela é apenas de arroz parabolizado (parcialmente fervido) há 13 anos -muito antes de Chávez congelar os preços, em 2003. A empresa chegou à Venezuela em 1986, tem 2.000 funcionários no país e produz café, farinha, suco e óleo, entre outros.
Com a nacionalização da Cargill, o Estado passou a controlar 54,1% da indústria de beneficiamento de arroz no país. Desde 2007, Chávez iniciou uma ampla política de estatizações em setores como telecomunicações, eletricidade, petróleo, cimento e siderurgia.
A intervenção no arroz ocorre no momento em que aumentam os temores de que a Venezuela sofrerá uma crise de abastecimento semelhante à de 2007, que provocou enormes filas para compras de produtos como leite e frango e minou a popularidade de Chávez.
Analistas afirmam que as medidas antecipam uma breve perda da capacidade da Venezuela de importar por causa da queda do preço do petróleo. Segundo o próprio governo, 50% dos produtos da alimentação básica consumidos no ano passado foram produzidos em outros países, principalmente Brasil, Argentina e Colômbia.
Números do Ministério do Desenvolvimento brasileiro sobre as exportações à Venezuela revelam a crescente dependência de alimentos importados. Em 2008, as exportações de produtos alimentícios à Venezuela cresceram 135% em relação ao ano anterior, enquanto o aumento geral foi de 9%.
"Se algo demonstra a política comercial em favor dos interesses forâneos, é a relação com o Brasil", disse à Folha o ex-ministro da Agricultura (1994) Hiram Gaviria, hoje no partido oposicionista Um Novo Tempo (UNT, centro). "A Venezuela se converteu num país altamente dependente da renda petroleira e das importações, o que significa que não diversificamos a economia". Para ele, a intervenção estatal no arroz provocará um desestímulo em outros setores de alimentos, diminuindo a produção e aumentando a inflação. "Há um ditado na Venezuela: quando vir as barbas do vizinhos ardendo, coloque as suas de molho."


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