São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VONTADE DE MORRER 1
Concentração é nas zonas rurais
Ásia tem os maiores índices de suicídio

PHYLLIDA BROWN
da ``New Scientist''

É algo que ceifa mais vidas jovens do que a tuberculose ou os acidentes de carro. Mas vem acontecendo na surdina, passando quase desapercebido. Na China e em muitas outras partes da Ásia, as pessoas vêm cometendo suicídio em números alarmantes. Acredita-se que, desde 1900, cerca de 2 milhões de chineses tenham se suicidado -um número equivalente às populações de Washington e Manhattan, juntas.
Ninguém sabe ao certo o que está por trás do espantoso índice de suicídios chinês, nem se a situação sempre foi tão grave quanto hoje.
Uma coisa, porém, está clara: o padrão de suicídios nesse país difere de qualquer coisa que se vê no Ocidente. O padrão chinês não pode ser visto apenas como incômoda exceção à regra geral. Em 1990, último ano para o qual existem dados mundiais confiáveis, a China, com 22% da população mundial, foi responsável por mais de 40% dos suicídios ocorridos no mundo.
As diferenças são marcantes. No Ocidente industrializado, a proporção de suicidas homens é três ou quatro vezes superior à de mulheres; na China, o número de mulheres que se matam é maior do que o de homens. É o único país do mundo em que isso acontece. Entre as chinesas com idades entre 15 e 44 anos, uma em cada quatro mortes se deve ao suicídio, contra uma em cada dez nessa faixa etária idade no Ocidente industrializado.
Os gritos do silêncio
Outra constatação surpreendente: contrastando com o Ocidente, onde o suicídio é associado à vida urbana, os índices de suicídios na zona rural da China são cerca de três vezes superiores aos da urbana. E, finalmente, enquanto no Ocidente, acredita-se, a maioria dos suicidas sofre de depressão ou outros tipos de doenças mentais, não se sabe se doenças mentais são responsáveis pela maioria dos suicídios ocorridos na China.
Essas diferenças estão fornecendo indícios muito necessários sobre as causas do suicídio no Oriente -e obrigando psiquiatras do mundo inteiro a repensar algumas de suas idéias sobre que tipos de pessoas têm probabilidade maior de se matar, porque e onde.
``Como as características do suicídio realmente são diferentes na China, parecem lançar dúvidas sobre as teorias ocidentais a esse respeito'', diz o psiquiatra e epidemiologista canadense Michael Phillips, que trabalha no hospital Hui Long Guan, em Pequim.
Cinturão de suicídio
As novas estimativas do índice de suicídios na China são fruto de um inovador estudo de tendências globais de saúde, feito por epidemiologistas e economistas da saúde da Universidade Harvard e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Quando foi divulgado, no ano passado, as cifras que trouxe foram recebidas com espanto.
A China não é o único país asiático a ter um problema com suicídios. Ao longo de uma faixa que se estende de Sri Lanka à China, passando por Hong Kong e Taiwan, as pessoas andam se matando em proporções alarmantes, tanto que a região ganhou um apelido indesejável: cinturão dos suicídios.
A situação é mais grave em Sri Lanka, que tem cerca de 36 suicídios por 100 mil pessoas por ano, embora o número absoluto de mortos seja muito menor do que na China, com sua enorme população. O índice chinês é estimado em 30,3 por 100 mil por ano. Na Austrália, EUA e Reino Unido, é de aproximadamente de oito a 12 suicídios por 100 mil por ano.
Os suicídios na China e em outros países asiáticos serão um dos principais temas na pauta do congresso da Associação Internacional de Prevenção de Suicídios, em Adelaide, Austrália. E a Befrienders International, a organização que engloba as diversas associações Samaritanas, está ajudando a montar grupos de prevenção de suicídios na China.
A própria China também está tomando medidas diretas para combater a tendência. Está sendo lançado um grande estudo quinquenal sobre as causas de suicídios e mortes acidentais em 24 comunidades pelo país afora, chefiado conjuntamente por Phillips e Yang Gonghuan, epidemiologista da Academia Chinesa de Medicina Preventiva, de Pequim.
A tarefa não será fácil, pois o suicídio é notoriamente difícil de analisar, quer aconteça no Ocidente ou no Oriente.
``O problema é que existe o suicídio oficial e o não oficial'', diz Rachel Jenkins, psiquiatra e epidemiologista junto ao Instituto de Psiquiatria, de Londres.


Continua à pág. 28
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã