UOL


São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Guerra deixa estudantes árabes nos EUA com medo

"Já fui chamada de terrorista. As pessoas sussurram e depois correm", diz a palestina Laila El-haddad, 25, mestre em políticas públicas na Universidade Harvard

"Temos razões para tomar esta guerra de uma maneira muito pessoal", afirma Yasmine El-Shamayleh, 22, que estuda neurociência na Universidade da Pensilvânia

DE NOVA YORK

Eles são jovens, bem encaminhados em universidades americanas de renome, mas têm medo da guerra. Estudantes árabes e muçulmanos nos EUA dizem temer pelo preconceito que enfrentam no país e também por suas famílias no Oriente Médio.
"Depois do 11 de setembro, ninguém tinha idéia do que poderia acontecer", conta o paquistanês Salman Alan, 20, estudante de economia na Universidade Berkeley, na Califórnia. "Agora nós sabemos."
Membro de uma associação de alunos muçulmanos, ele relata que a entidade recebe e-mails ameaçadores e que colegas são ameaçados fisicamente. "As pessoas são ignorantes", afirma.
A muçulmana Ammena Nadeen, 21, estudante de filosofia da da Universidade do Texas, diz que que seus amigos estão muito assustados. "Todo mundo ficou suspeito, isso é desinformação."
"Já fui chamada de terrorista. As pessoas sussurram e depois correm", afirma a palestina Laila El-haddad, 25, mestre em políticas públicas na Universidade Harvard. "Tenho um pouco mais de medo quando ando em público. Uma amiga muçulmana me disse que está percebendo os mesmos olhares arregalados que ela via depois do 11 de setembro, olhares de desgosto e ódio", diz.
Tammer Riad, 21, aluno de economia na Universidade Yale, acha que as coisas vão piorar. "O sentimento antiárabe vai aumentar com o curso da guerra, especialmente depois, quando os "libertadores" descobrirem que eles não são mais bem-vindos no Iraque", diz ele, que vem de uma família egípcia, mas é cidadão americano.
Além da ameaça física, árabes e muçulmanos nos EUA dizem sentir medo por seus familiares.
"Meu pai é médico na Jordânia e conta que não há ninguém em sua clínica, todos estão grudados na TV. A economia está tão fraca que ele não pode nem pagar a passagem para vir à minha formatura -isso se o deixarem entrar. Ele mal pode bancar o fim do meu estudo", diz Yasmine El-Shamayleh, 22, que estuda neurociência na Universidade da Pensilvânia.
Ela ataca duramente a posição americana. "Como você vê, temos razões para tomar esta guerra de uma maneira muito pessoal. Mas esperamos que os americanos também a tomem da mesma maneira, porque são os dólares dos impostos deles que estão matando civis iraquianos inocentes em vez de melhorar a educação e a saúde do país", afirma.
Originada da faixa de Gaza, Laila El-haddad acompanhou bem de perto a primeira Guerra do Golfo, em 1991: morava na Arábia Saudita, que serviu à época de base para ataques americanos.
"Sinto que, na primeira guerra, a opinião pública árabe estava muito dividida. Alguns países apoiavam Saddam. Outros, particularmente a Arábia Saudita, estavam do lado dos EUA. Desta vez, percebo uma divisão menor, ao menos publicamente. A maioria da população árabe e de seus governantes é contra a guerra, mas não é a favor de Saddam", diz. "Também percebo que os protestos no Oriente Médio estão muito mais fortes."
O sentimento "contra Saddam/ contra a guerra" domina o tom dos relatos ouvidos pela Folha entre os alunos.
"Os estudantes árabes estão muito preocupados com os civis iraquianos, que a TV americana não mostra muito", diz o judeu Ari Ariel, 32, da Universidade Columbia, em Nova York.
Mas há uma grande parcela deles que não gosta nem mesmo de conversar sobre seus problemas nos EUA, como aponta Yasmine El-Shamayleh, da Pensilvânia. "Notamos que alguns, senão a maioria, dos estudantes árabes gostaria de deixar o assunto de lado. Para alguns, ele é muito doloroso, para outros, pessoal demais. Outros ainda estão apenas com medo de serem identificados como árabes", diz.
A falta dessa massa crítica em bloco dos principais interessados na guerra pode prejudicar o debate sobre o tema nas universidades americanas.
Para o professor Morris Fiorina, que faz pesquisas sobre participação política na Universidade Berkeley, na Califórnia, o meio acadêmico está muito mais anêmico agora do que nos ano 60, a despeito dos milhares de pessoas que as manifestações pacifistas põem nas ruas. "Em qualquer momento, sempre vai haver uma parcela que se manifesta. Só que essa parcela era muito maior nos anos 60. O nível de preocupação agora é muito menor", diz ele. (ROBERTO DIAS)


Texto Anterior: Oposição: "Mundo ignora crueldades de Saddam", diz exilada
Próximo Texto: Artigos: O medo que devora a alma
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.