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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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O Iraque deve ser deixado aos iraquianos

SAAD SHAKIR
DO ""FINANCIAL TIMES"

O que vai acontecer no Iraque após o afastamento do regime nocivo de Saddam Hussein é um tema que chamou a atenção do mundo. Está surgindo entre muitas partes interessadas um consenso em favor da transferência rápida da autoridade do comandante militar das forças da coalizão para uma administração iraquiana de transição.
Desde que a comunidade internacional garanta seu apoio à administração e à reconstrução do país, essa transferência do poder em pouco tempo seria a melhor maneira de o Iraque avançar.
O processo de transição deve ser ditado pelos interesses da população iraquiana. Apenas iraquianos devem escolher quem os irá governar.
Qualquer ingerência externa na escolha dos líderes da administração transicional seria mal vinda. Especificamente, qualquer ingerência por parte dos EUA ou do Reino Unido não apenas seria politicamente indesejável, mas também representaria uma traição dos militares americanos e britânicos que sacrificaram suas vidas pela libertação do Iraque.
Para ter legitimidade, a composição do governo de transição e sua área de competência devem ser decididas pelo espectro mais amplo possível da sociedade iraquiana.
O mecanismo de seleção de sua liderança precisa ser decidido numa conferência nacional iraquiana a ser realizada em Bagdá no menor prazo possível após o afastamento do regime atual.
Seja qual for sua forma exata, precisa ser justo e transparente, para garantir que a administração espelhe a composição étnica e religiosa do Iraque.
Embora muito já tenha sido dito sobre as diferenças étnicas e religiosas no Iraque, essas diferenças tinham peso muito menor na vida pública antes da ascensão do regime do Baath, que as explorou para fomentar seus objetivos próprios.
Indicações a cargos que fossem baseadas nos méritos dos indicados garantiriam um papel de destaque às classes profissionais iraquianas, que estão entre as mais avançadas do Oriente Médio.

Apoio total
Além da administração iraquiana proposta, precisa ser criada uma agência da ONU no Iraque para coordenar o apoio da comunidade internacional. Uma das tarefas mais importantes dessa agência deve ser a de cooperar com a administração na recuperação do setor petrolífero, como meio de ganhar as divisas de que o país tanto precisa.
Para dar certo, o governo de transição precisará conseguir todo o apoio possível da comunidade internacional. Os outros países precisam, sobretudo, abster-se de qualquer ingerência nos assuntos internos do Iraque. Além disso, devem anular imediatamente as sanções econômicas impostas ao país como castigo pelas aventuras militares de Saddam.
Outra tarefa dos governos estrangeiros será a de financiar a reconstrução. As expectativas da sofrida população iraquiana irão aumentando de maneira progressiva.
Aliviar a pressão econômica será essencial para a estabilidade política. Ao mesmo tempo, as empresas multinacionais, especialmente as que têm suas sedes em países de economia forte, como os EUA, a França e a Rússia, não devem fazer lobby junto a seus governos para que estes os ajudem a conseguir contratos de forma injusta. Considerando a vulnerabilidade da administração transicional proposta, talvez seja mais aconselhável que os grandes contratos sejam tratados pela ONU.

Democracia
A administração transicional precisa ter um mandato não-renovável. O objetivo político fundamental da administração de transição precisa ser o de preparar o país para eleições democráticas, sob supervisão internacional, no prazo máximo de dois anos.
Outras tarefas cruciais terão de incluir o processo de ""des-Baathificação" das estruturas do Estado e das Forças Armadas, o desmonte de todas as redes de polícia secreta e o fomento da liberdade de expressão e da imprensa livre.
Os desafios que a população iraquiana e a administração proposta têm pela frente são enormes. Se as coisas derem errado, as consequências negativas irão prejudicar a região inteira. Embora a população iraquiana ainda ostente as cicatrizes de três décadas de tirania e três guerras, ela é inteligente, trabalhadora e amante da paz. Dentro em pouco, terá a oportunidade de reconstruir sua vida e seu país. Os iraquianos merecem todo o apoio; o mundo não pode abandoná-los outra vez.


Saad Shakir é professor de medicina e partidário da oposição iraquiana

Tradução de
Clara Allain


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