São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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ARTIGO

Secretário tem de ser demitido já

THOMAS FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Estamos correndo o perigo de perder algo muito mais importante do que simplesmente a Guerra do Iraque. Corremos o perigo de perder a América como instrumento de autoridade e inspiração moral no mundo. Não conheci uma época em que os EUA e seu presidente fossem mais odiados no mundo do que hoje. Não surpreende que tantos americanos estejam obcecados com o último episódio de "Friends". São os únicos amigos que temos, e mesmo eles estão indo embora.
Este governo precisa rever sua política iraquiana por completo; se não o fizer, estará atraindo um desastre total para todos nós.
A revisão precisa começar com Bush demitindo o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld -não amanhã ou no mês que vem, mas hoje. O que houve na prisão de Abu Ghraib foi, na melhor das hipóteses, uma ruptura na cadeia de comando sob a autoridade de Rumsfeld, ou, na pior, parte de uma política deliberada.
Seja como for, o secretário da Defesa é, em última análise, o responsável. Bush precisa cobrar essa responsabilidade. As palavras têm peso, mas os atos pesam muito mais. Se os líderes do Pentágono administrassem qualquer companhia americana com o planejamento visto nesta guerra, teriam sido demitidos já há meses.
Sei que interrogatórios duros são cruciais em uma guerra, mas a tortura pura e simples, ou então essa espécie de humilhação sexual por diversão que vimos, é repulsiva. Também sei que esse tipo de abuso ocorre diariamente em prisões no mundo árabe, sem que a Al Jazira diga uma palavra a respeito. Mas quero que meu país se comporte melhor -não apenas por ser a América, mas também porque a guerra contra o terrorismo é uma guerra de idéias.
No 11 de Setembro, fomos atingidos por pessoas que acreditavam em idéias odiosas. Não podemos vencer sozinhos a guerra de idéias contra essas pessoas. Apenas os árabes e muçulmanos podem. O que podíamos fazer -e foi essa a única justificativa legítima desta guerra- era tentar ajudar iraquianos a criar um contexto progressista no coração do mundo árabe-muçulmano.
Mas é difícil formar parcerias quando você se torna tão radioativo que ninguém quer ficar do seu lado. Bush precisa convidar a Camp David os demais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, os líderes da Otan e da ONU e os líderes do Egito, da Jordânia, da Arábia Saudita e da Síria. Então, diante de todos, precisa demonstrar arrependimento, pedir desculpas por seus erros e deixar claro que está empreendendo um novo começo.
Em segundo lugar, ele precisa explicar que estamos perdendo no Iraque e que, se continuarmos a perder, o público americano vai acabar por exigir que deixemos o Iraque, e então a situação vai virar um Afeganistão triplicado.
Em terceiro lugar, Bush precisa dizer que se deixará guiar pela ONU na formação do novo governo interino em Bagdá. E, em quarto, ele precisa explicar que está disposto a ouvir as idéias de todos sobre como ampliar nossa força no Iraque e disposto a deixar que ela opere sob um novo mandato da ONU.
Não devemos perder uma coisa de vista: por piores que as coisas possam estar no Iraque, a situação ainda não está perdida, e por uma razão fundamental. As aspirações dos EUA para o Iraque e as da maioria iraquiana silenciosa, especialmente os xiitas e curdos, ainda coincidem. Ambos queremos a autonomia do Iraque e, depois, eleições livres. Essa sobreposição de interesses, por mais que possa não estar aparente, ainda pode resgatar alguma coisa de decente desta guerra -desde que a equipe de Bush reúna coragem para reconhecer suas falhas e promover uma mudança de rumo.
Sim, já é tarde, mas, enquanto houver um vislumbre que seja de esperança de que a equipe de Bush possa fazer a coisa certa, temos de insistir nisso, porque o papel dos EUA no mundo é precioso demais para ser desperdiçado dessa maneira -precioso demais para os EUA e para o mundo.


Tradução de Clara Allain


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