São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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"Ela recebeu ordens", diz mãe de soldado

JAMES DAO
PAUL VON ZIELBAUER
DO "NEW YORK TIMES"

O soldado Charles Graner Jr. é guarda em um dos mais vigiados presídios da Pensilvânia e é acusado por sua ex-mulher de se comportar de forma violenta.
A soldado raso de primeira classe Lynndie England se divorciou antes dos 21 anos, trabalhava numa fábrica de processamento de frangos e queria ser meteorologista e caçar tempestades.
O sargento Ivan Frederick, também guarda de prisão, pretendia deixar de ser reservista do Exército neste ano para passar mais tempo pescando.
Os três são alguns dos protagonistas que aparecem ou são responsáveis pelas fotos que vêm chamando a atenção do mundo: imagens que parecem ter sido clicadas como suvenires, mas que mostram soldados da 372ª Companhia de Polícia Militar sorrindo, triunfais, e fazendo sinal de positivo com os polegares, diante de iraquianos nus na prisão de Abu Ghraib, perto de Bagdá.
Seis soldados da 372ª Companhia, uma unidade de reservistas de Cumberland (Maryland, Costa Leste), deverão ser submetidos a uma corte marcial, entre eles Graner e o sargento Frederick. Seis oficiais receberam reprimendas que puseram fim a suas carreiras.
Mas em nenhum lugar os exames de consciência têm sido mais angustiados do que nesta região dos Apalaches, onde vivem muitos integrantes da 372ª e onde, até a semana passada, a unidade era motivo de enorme orgulho. Como outras unidades de reservistas do país, a 372ª é típica da comunidade que a abriga.
Um dos soldados implicados no escândalo era empacotador num supermercado local. Outro era mecânico de carros.
A maioria se tornou reservista porque queria conhecer o mundo, gostava do espírito de camaradagem, precisava do dinheiro extra ou esperava obter créditos universitários. Poucos deles imaginavam algum dia ter de participar de uma guerra. Menos ainda que iriam operar uma prisão sombria que, no passado, era usada pelo governo iraquiano para torturar dissidentes.


"Tudo o que ela fez foi alguém em posição mais alta que a mandou fazer", disse a mãe da soldado Lynndie England, que abusou de presos iraquianos


No entanto, apesar de toda a empatia que os residentes de Cumberland sentem pela 372ª Companhia, alguns dos maiores defensores da unidade de reservistas se disseram enojados com as imagens. "Chorei quando vi as fotos", disse Kerry Shoemaker-Davis, que já serviu na 372ª. "Pensei "meu Deus, como pôde alguém fazer isso?'".
Um relatório interno do Exército que veio a público nesta semana descreve Graner, 35, como a pessoa que supervisionou alguns dos abusos. Ele também aparece em várias fotos, inclusive uma na qual está em pé, com os braços cruzados, diante de uma pilha de iraquianos nus. Graner foi fuzileiro naval entre abril de 1988 e maio de 1996, quando deixou a unidade com o grau de cabo, segundo registros militares, e foi trabalhar na Instituição Correcional Estadual Greene (sudoeste da Pensilvânia).
Dois anos após sua chegada, a penitenciária esteve envolvida num escândalo de abusos. Autoridades penitenciárias se negaram a dizer se Graner sofreu medidas disciplinares. Detentos e defensores dos direitos de presos afirmaram em 1998 que os guardas em Greene rotineiramente espancavam e humilhavam os presos. O diretor foi transferido, dois tenentes foram demitidos e mais de 20 guardas foram repreendidos, rebaixados ou suspensos.
Graner se envolveu num divórcio litigioso. Em documentos do tribunal, sua mulher, Staci, o acusou de espancá-la, ameaçá-la com armas, persegui-la depois da separação do casal, em 1997, e invadir sua casa. "Charles me ergueu do chão e me jogou contra a parede", disse. Guy Womack, advogado de Graner, declarou que ele "não é violento dessa maneira".
O sargento Frederick, a quem os investigadores militares acusam de ter supervisionado boa parte dos abusos, trabalha como carcereiro no Centro Correcional Buckingham, uma prisão de segurança média na Virgínia.
Amigos e parentes descreveram o sargento, de 37 anos, como homem simples e calmo que passou a infância acampando e pescando nas florestas do oeste de Maryland. Frederick entrou para os reservistas do Exército ainda na escola de segundo grau, inspirado em parte por seu tio William Lawson, que passou 23 anos viajando pelo mundo com a Força Aérea. Depois da concluir o colégio, trabalhou numa fábrica de óculos de sol. Em seguida, estudou direito numa faculdade local, esperando tornar-se policial.
Ele deixou a faculdade em 1996 para trabalhar na prisão de Buckingham. Ali, conheceu sua futura mulher, Martha. Cansado do estresse dos treinamentos mensais e deslocamentos, o sargento Frederick registrou um pedido de aposentadoria há dois anos. Mas ouviu que ainda não alcançara os 20 anos de serviço que seriam necessários para lhe garantir aposentadoria plena, por isso continuou como reservista. Os 20 anos se completaram no mês passado.
Agora Frederick aguarda julgamento numa base militar no Iraque. "É horrível", disse sua mulher. ""Mas não importa. Só quero que ele volte para casa."
O rosto que se tornou mais conhecido no escândalo pertence a uma mulher: a soldado raso England, que em várias fotos faz sinal de positivo com os polegares, com expressão animada no rosto.
Treinada para ser administradora no Exército, England, que não foi acusada formalmente, ajudava a processar prisioneiros, tirando suas impressões digitais e arquivando relatórios. "Ela não os guardava, só os fichava", disse sua mãe, Terrie England. "Simplesmente aconteceu de ela estar lá quando tiraram aquelas fotos."
Mas oficiais dizem que England, 21, pode ter visitado a prisão com freqüência porque tinha uma relação romântica com Graner. Eles dizem que ela está grávida.
Amigos e parentes descrevem England como independente e forte, "uma mulher que não tem medo de quebrar as unhas", nas palavras de Shoemaker-Davis, que também já serviu na 372ª Companhia.
Ela entrou para os reservistas quando ainda estava no colégio, passando por cima das objeções da mãe, porque queria dinheiro para pagar sua faculdade. ""Não era que não pudéssemos pagar", contou sua mãe. ""Mas ela quis fazer tudo por conta própria. Ela é assim, teimosa." Lynndie England nasceu no Kentucky e, quando menina, adorava temporais e tornados.
Seus pais acusam o governo de tentar jogar a culpa pelos abusos em sua filha, para proteger oficiais superiores. "Tudo o que ela fez foi alguém em posição mais alta que a mandou fazer", disse a mãe.
A família do sargento Frederick e o advogado de Graner afirmam que os dois, quando abusaram de prisioneiros, estavam cumprindo ordens recebidas de interrogadores e oficiais de inteligência -espancar prisioneiros ou humilhá-los, fazendo-os posar em posições sexualmente provocantes, visavam amolecer, chocar ou intimidar os prisioneiros para facilitar a coleta de informações, disseram.

Tradução de Clara Allain


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