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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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COMENTÁRIO

O erro não foi só da CIA

NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES"

Ontem foi o 79º dia da busca de armas de destruição em massa do Iraque. E, mais uma vez, nada foi encontrado.
Os espiões estão furiosos com a manipulação de seu trabalho para exagerar a ameaça iraquiana. Por isso mesmo, andam surpreendentemente faladores. Ressaltam que, mesmo que as armas acabem sendo encontradas, continuará a existir um problema fundamental -não dentro da comunidade de inteligência, mas com os altos membros da administração, especialmente no Pentágono.
"Como funcionário da Agência de Inteligência da Defesa (DIA, na sigla em inglês), sei como a administração atual mentiu para o público para conseguir apoio para seu ataque ao Iraque", esbravejou uma de minhas fontes. Outros enxergam um padrão marcado não tanto por mentiras, mas por auto-engano -e pelo hábito de sujeitar as agências de inteligência a esses logros.
É preciso tomar o sentimento de ultraje dos arapongas com alguns grãos de sal, porque a turma da inteligência tem estado por baixo na luta pelo poder que trava com o Pentágono. Mas é esse justamente o problema: o Pentágono virou o gorila de 400 quilos da administração Bush, desempenhando papel central não só em assuntos militares, mas também na inteligência e na política externa.
"O problema fundamental é que o gabinete do secretário da Defesa [Donald Rumsfeld] ganhou poder demais", observou Patrick Lang, que já foi alto funcionário da DIA.
Um passo nesse sentido foi dado já na administração Clinton, quando o secretário da Defesa ganhou controle maior sobre o que é feito com as imagens produzidas pelos satélites de espionagem. Em seguida, Rumsfeld montou sua própria "loja" de inteligência dentro do Pentágono. A filosofia básica da inteligência -a de que ela deve ser mantida separada das considerações políticas, para conservar sua honestidade- saiu profundamente prejudicada.
Uma comissão sugeriu, há dois anos, que as funções de inteligência fossem consolidadas sob a égide do diretor da CIA. Foi uma ótima idéia, mas descartada, entre outros, por Rumsfeld.
A inteligência precisa ser analisada por profissionais, não por ideólogos. Eu me recordo de um espião que costumava me telefonar quando eu vivia na China. Ele me passava informações espantosas sobre os altos dirigentes chineses. Em troca, pedia cópias de documentos chineses sigilosos que tinha obtido. Mas eu nunca conseguia confirmá-las. Finalmente me dei conta de que ele estava simplesmente inventando notícias saborosas para ter algo para trocar comigo.
É assim que o jogo da inteligência às vezes funciona: a informação é farta, confusa, contraditória e facilmente deturpada. Ao invés de ser manipulada para agradar aos políticos, ela precisa ser protegida deles. "O presidente é um homem muito poderoso", disse Ray Close, 26 anos de CIA. "Quando você percebe o que ele quer, é muito difícil resistir à tentação de buscar exatamente aquilo."
Segundo a reconstrução dos fatos que consigo fazer, Rumsfeld realmente achava que a CIA e a DIA estavam fazendo um péssimo trabalho no Iraque. Ele estava ouvindo informações muito mais alarmantes vindas da oposição iraquiana no exílio. Então o Pentágono criou sua unidade de inteligência própria, que começou a analisar as informações de todas as outras fontes e a pressionar outras agências a chegarem a conclusões mais alarmistas. "Ele é um ideólogo", disse um integrante do mundo da espionagem, falando de Rumsfeld. "Apesar de ser inteligente, não começa pelos fatos. Ele tem uma hipótese e vai buscar fatos que a fundamentem."
Não que isso constitua um delito capital. Os líderes do Pentágono devem se sentir livres para discordar de possíveis avaliações tolas feitas pela CIA. Mas, para que o processo funcione, é preciso que os altos escalões da CIA reajam. E seu diretor atual, George Tenet, se submeteu a Rumsfeld.
"Tenet tomou o partido da turma do Departamento da Defesa e desacreditou seus próprios analistas", disse Larry Johnson, um analista da CIA aposentado.
Apesar disso, Tenet não deveria ser transformado em bode expiatório, sendo responsabilizado por problemas que se devem principalmente à ação dos radicais do Pentágono. Sua expulsão deixaria o gabinete do secretário da Defesa mais poderoso do que nunca.


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