São Paulo, quinta-feira, 07 de dezembro de 2000

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Disputa entre França e Alemanha ameaça acordo

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A cúpula de Nice pretende fazer a maior revisão do sistema de tomada de decisão da União Européia (UE) desde o Tratado de Maastricht, assinado em 1992, que abriu caminho para a adoção da moeda comum européia e delineou as bases da futura política externa e de segurança comum.
Entretanto uma grave discrepância entre as visões francesa e alemã quanto ao número de votos de cada membro no Conselho da União Européia (CUE) e outras três zonas de desacordo entre os dois países ameaçam transformar a cúpula de Nice num fracasso.
Um dos assuntos mais sensíveis que deverão ser discutidos em Nice é a intenção do governo alemão de obter mais votos no CUE para refletir o fato de que, desde a reunificação -ocorrida em 1990-, o país possui ao menos 20 milhões de habitantes a mais do que qualquer outro país da UE.
Atualmente, a Alemanha, a França, o Reino Unido e a Itália possuem dez votos e são os Estados mais fortes dentro do CUE.
Tanto o presidente francês, Jacques Chirac, quanto o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schroeder, visitaram diversos países para tentar convencê-los da legitimidade de seus argumentos. A França se opõe ao projeto alemão, pois ele transformaria a Alemanha no país mais forte dentro do CUE e, portanto, da UE.
"No momento, o principal ponto de divergência entre a França e a Alemanha diz respeito à reponderação dos votos no CUE, particularmente à intenção alemã de fazer com que sua maior população seja levada em consideração", afirmou à Folha, por telefone, Anne-Marie le Gloannec, diretora-adjunta do Centro Marc Bloch, um instituto de pesquisas franco-alemão situado na Universidade Humboldt, em Berlim.
"A preocupação francesa é compreensível, pois a UE sempre foi um mecanismo de difusão de poder, no qual jamais houve proporcionalidade demográfica. O sistema concebido pelos fundadores tinha características federalistas", completou Le Gloannec.
A solução do impasse pode passar pela adoção de uma "maioria dupla", que levaria em conta os votos dos países no CUE e a população de cada Estado.
Há outros pontos de divergência entre os dois países: a intensificação da cooperação (a possibilidade de alguns Estados aumentarem a integração entre si), a extensão do sistema de votação de maioria qualificada e o tamanho da Comissão Européia (CE).
Sobre a intensificação da cooperação, Berlim crê que a presidência francesa da UE não tenha dado a devida atenção a um documento preparado por Alemanha e Itália, talvez por medo de que o eixo Paris-Berlim deixe de ser o mais relevante dentro da união.
O governo alemão também critica a posição francesa em relação à extensão do sistema de maioria qualificada para assuntos que, até agora, são decididos apenas se há unanimidade. Berlim não vê com bons olhos a intenção francesa de manter o direito de veto para defender sua "diversidade cultural", o que contraria a liberalização da indústria cultural (que engloba cinema, televisão, música etc).
Mas, como salientou Le Gloannec, o assunto causa controvérsia não apenas entre a França e a Alemanha mas também entre outros países-membros da UE.
Também há um conflito em relação ao tamanho da CE, que é o órgão que propõe leis para a UE e aplica suas regras. Os Estados menos populosos querem que cada país tenha apenas um comissário.
A Alemanha, que tenta aumentar sua influência sobre países menores, defende oficialmente uma CE menor, porém não se oporia a uma solução que não diminuísse o poder dos "pequenos". Já a França é intransigente quanto à necessidade de uma CE reduzida, pois o número de membros da UE deve crescer no futuro, e a CE não pode, segundo Paris, ficar à mercê dos "pequenos".


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