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Disputa entre França e Alemanha ameaça acordo
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A cúpula de Nice pretende fazer
a maior revisão do sistema de tomada de decisão da União Européia (UE) desde o Tratado de
Maastricht, assinado em 1992,
que abriu caminho para a adoção
da moeda comum européia e delineou as bases da futura política
externa e de segurança comum.
Entretanto uma grave discrepância entre as visões francesa e
alemã quanto ao número de votos
de cada membro no Conselho da
União Européia (CUE) e outras
três zonas de desacordo entre os
dois países ameaçam transformar
a cúpula de Nice num fracasso.
Um dos assuntos mais sensíveis
que deverão ser discutidos em Nice é a intenção do governo alemão
de obter mais votos no CUE para
refletir o fato de que, desde a reunificação -ocorrida em 1990-,
o país possui ao menos 20 milhões de habitantes a mais do que
qualquer outro país da UE.
Atualmente, a Alemanha, a
França, o Reino Unido e a Itália
possuem dez votos e são os Estados mais fortes dentro do CUE.
Tanto o presidente francês, Jacques Chirac, quanto o chanceler
(premiê) alemão, Gerhard
Schroeder, visitaram diversos
países para tentar convencê-los
da legitimidade de seus argumentos. A França se opõe ao projeto
alemão, pois ele transformaria a
Alemanha no país mais forte dentro do CUE e, portanto, da UE.
"No momento, o principal ponto de divergência entre a França e
a Alemanha diz respeito à reponderação dos votos no CUE, particularmente à intenção alemã de
fazer com que sua maior população seja levada em consideração",
afirmou à Folha, por telefone, Anne-Marie le Gloannec, diretora-adjunta do Centro Marc Bloch,
um instituto de pesquisas franco-alemão situado na Universidade
Humboldt, em Berlim.
"A preocupação francesa é
compreensível, pois a UE sempre
foi um mecanismo de difusão de
poder, no qual jamais houve proporcionalidade demográfica. O
sistema concebido pelos fundadores tinha características federalistas", completou Le Gloannec.
A solução do impasse pode passar pela adoção de uma "maioria
dupla", que levaria em conta os
votos dos países no CUE e a população de cada Estado.
Há outros pontos de divergência entre os dois países: a intensificação da cooperação (a possibilidade de alguns Estados aumentarem a integração entre si), a extensão do sistema de votação de
maioria qualificada e o tamanho
da Comissão Européia (CE).
Sobre a intensificação da cooperação, Berlim crê que a presidência francesa da UE não tenha dado a devida atenção a um documento preparado por Alemanha
e Itália, talvez por medo de que o
eixo Paris-Berlim deixe de ser o
mais relevante dentro da união.
O governo alemão também critica a posição francesa em relação
à extensão do sistema de maioria
qualificada para assuntos que, até
agora, são decididos apenas se há
unanimidade. Berlim não vê com
bons olhos a intenção francesa de
manter o direito de veto para defender sua "diversidade cultural",
o que contraria a liberalização da
indústria cultural (que engloba cinema, televisão, música etc).
Mas, como salientou Le Gloannec, o assunto causa controvérsia
não apenas entre a França e a Alemanha mas também entre outros
países-membros da UE.
Também há um conflito em relação ao tamanho da CE, que é o
órgão que propõe leis para a UE e
aplica suas regras. Os Estados menos populosos querem que cada
país tenha apenas um comissário.
A Alemanha, que tenta aumentar sua influência sobre países
menores, defende oficialmente
uma CE menor, porém não se
oporia a uma solução que não diminuísse o poder dos "pequenos". Já a França é intransigente
quanto à necessidade de uma CE
reduzida, pois o número de membros da UE deve crescer no futuro, e a CE não pode, segundo Paris, ficar à mercê dos "pequenos".
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