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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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DIPLOMACIA COM ARTE

Concerto em Washington reúne orquestras sinfônicas dos dois países em um evento simbólico

Pelo menos na música, Iraque e EUA fazem dueto

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Orquestra Sinfônica Nacional do Iraque estará se apresentando depois de amanhã em Washington. Não será uma récita corriqueira de músicos estrangeiros para o público norte-americano.
Há na organização do evento um esforço para agregar pequenos simbolismos. A orquestra se misturará no mesmo palco do Kennedy Center aos músicos da Sinfônica Nacional de Washington. Dois maestros se alternarão para regê-las, o iraquiano Mohammed Amin Ezzat e o norte-americano Leonard Slatkin.
No programa, três compositores ocidentais (Beethoven, Gabriel Fauré e Georges Bizet) e dois iraquianos (Abdulla Sagirmas e obra do próprio maestro Ezzat).
O concerto será gratuito. Poderia gerar indiferença. Para evitar a platéia vazia foi convidado o violoncelista Yo-Yo Ma.
E, por fim, a saudação à orquestra será feita pelo secretário de Estado dos EUA, Colin Powell. Em suma, um acontecimento mais político que cultural, mesmo sem declarações marcadas por intenções ideológicas.
Nenhum grupo artístico do Iraque fora ainda convidado por Washington depois da guerra que depôs Saddam. Para os EUA, a orquestra representa o Iraque normalizado e que funciona, longe dos atentados da resistência.

Marco de liberdade
Para os sunitas de Bagdá com raízes na cultura ocidental, a orquestra é uma espécie de marco de liberdade. Parte do público chorou em junho último, quando os músicos interpretaram uma peça patriótica pouco apreciada pelo ditador deposto e que por isso estava fora do repertório.
A relação da orquestra com a política é íntima. Criada há 44 anos, ela foi extinta dois anos depois, por uma tosca concepção do nacionalismo árabe que descartava influências ocidentais.
Mesmo tolerada, foi relegada em boa parte dos anos 60 a uma espécie de clandestinidade. Sob Saddam, passou a ser protegida por Tareq Aziz, que terminou como vice-primeiro-ministro do regime recentemente deposto.
Seu período de glória ocorreu há cerca de 30 anos. O petróleo dava ao Iraque muito dinheiro. Foram contratados músicos da Europa do leste. Excursões ao exterior eram frequentes.
Veio então a guerra com o Irã (1980-88). Músicos foram recrutados para o Exército. Em 1990 o Iraque invadiu o Kuait, e a ONU decretou sanções econômicas, suspensas apenas neste ano.
Passou a faltar de tudo. A penúria da orquestra entrou marginalmente na propaganda de Saddam contra o embargo. Mesmo assim, entrou. Wafaa Salman, iraquiana emigrada nos EUA, manteve um website com relatos contundentes nos últimos anos.
Esses relatos sensibilizaram músicos canadenses, britânicos e até americanos, que presentearam os iraquianos com cordas, palhetas, peças para a manutenção de instrumentos de madeira e metal. E também partituras.
Quando a primeira bomba americana caiu em Bagdá a orquestra estava desfalcada. Tinha apenas um oboísta. Estava sem tuba e sem trombones.
Compreensível que os sobreviventes de Saddam e do embargo estejam agora aliviados, mesmo com a atual turnê correndo o risco de ser interpretadas pela resistência iraquiana como um festim em solo do inimigo.



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