UOL


São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

Para Paulo Sérgio Pinheiro, progressos no Terceiro Mundo compensam restrições do pós-11 de Setembro

Sociólogo vê avanço de direitos, apesar da ação antiterror

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

Primeiro foi o presidente George W. Bush que restringiu as liberdades civis em tempos de conflito. Agora é a vez do premiê Tony Blair apresentar ao Parlamento britânico um projeto de lei que permite, em situações de emergência, detenções por prazo indeterminado, sem acusação formal, e até a proibição de manifestações públicas. Mesmo assim, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro não se deixa levar pelo pessimismo daqueles que enxergam uma marcha para trás dos direitos humanos em todo o planeta.
Para Pinheiro, essa é uma conclusão precipitada: "Ao mesmo tempo em que ocorrem retrocessos há progressos. A maioria dos países da América do Sul tem hoje democracia". Atualmente, Pinheiro desenvolve dois trabalhos para a ONU -é Relator Especial sobre Direitos Humanos em Mianmar e coordenador do relatório sobre a violência contra a criança em todo o mundo.

Folha - Em uma de suas viagens a Mianmar você descobriu que estavam gravando suas conversas. Como foi esse episódio?
Paulo Sérgio Pinheiro -
O incidente em março deste ano, em que descobri um microfone escondido sob a mesa onde entrevistava um preso, deve ter sido iniciativa de algum agente mais zeloso, querendo mostrar serviço. Depois de ter recebido explicações, dei o incidente por encerrado. A cooperação do governo foi impecável.

Folha - O que os EUA estão fazendo em Guantánamo não é um sério retrocesso para a situação dos direitos humanos no mundo?
Pinheiro -
É equivocado concluir que a situação dos direitos humanos foi para trás depois do 11 de Setembro. O terrorismo se abate sobre alguns países, mas, em muitos outros, não constitui ameaça. As situações têm temporalidades diferentes, ao mesmo tempo em que ocorrem retrocessos há progressos em vários casos. O Brasil tem tido muitos avanços. A maioria dos países da América do Sul tem hoje democracia, os direitos políticos são exercidos quase plenamente. Quem poderia imaginar isso em 1964?

Folha - Qual o objetivo do relatório sobre violência infantil?
Pinheiro -
Estou formando uma equipe de oito pessoas em Genebra. Esse trabalho deve se estender até 2006. O objetivo é levantar a questão e fazer com que isso sirva de mobilização. Queremos não só mostrar as violações, mas também as boas práticas. Não há intenção de fazermos um ranking mundial dos países mais violentos contra a criança.

Folha - Você costuma dizer que o maior problema do Brasil é o racismo estrutural. Depois de sua experiência no governo FHC, você diria que é mais fácil avançar nas leis do que nas atitudes?
Pinheiro -
Não creio, como se diz, que seja mais fácil avançar nas leis. O Congresso muitas vezes aprova leis criminais demagógicas, acirrando penas e agravando definições de delitos. É hora de mais serenidade. Não há nenhuma solução imediata para acabar com essa violência epidêmica no Brasil. O Congresso não dota o Executivo da legislação urgente para o combate do crime organizado, não consolida as leis penais disparatadas, atrasa a reforma do Judiciário e da estrutura policial. E quem paga são as vítimas.

Folha - O enviado da ONU ao Iraque Sérgio Vieira de Mello pediu, pouco antes de morrer, vítima de atentado em agosto, em Bagdá, que a entidade não deixasse o país. A retirada não foi um desrespeito?
Pinheiro -
É preciso situar aquela fala na evolução da situação da ocupação do Iraque pelos EUA. Acho que o Sérgio teria concordado com a decisão. Não havendo um mandato claro para atuar e condições mínimas de segurança, não havia mais porque ficar.

Folha - O sr. gostaria de fazer carreira na ONU? Acha que pode ser o sucessor de Vieira de Mello?
Pinheiro -
Acho que já trabalho demais. Carreira mesmo somente a acadêmica. Ninguém pode pretender ser sucessor de Sérgio Vieira de Mello: ele era o melhor entre todos. Por isso sua morte é uma tragédia irreparável.


Texto Anterior: Instrumentistas ganhavam US$ 12
Próximo Texto: Saúde: Fabricantes negam que fast food e doces causem obesidade
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.