São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005

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ANÁLISE

A hora da democracia no Oriente Médio

AMITY SHLAES
DO "FINANCIAL TIMES"

Condoleezza Rice foi a Israel e à Cisjordânia para tentar descobrir como ela, Mahmoud Abbas e Ariel Sharon poderão criar um Estado palestino livre e democrático. Traçar um quadro consistente talvez seja difícil para Rice. O presidente George W. Bush afirmou que seu plano para democratizar o Oriente Médio foi inspirado pelo ex-dissidente soviético e atual político israelense Natan Sharansky. Bush chegou ao ponto de fazer do livro recente de Sharansky, ""The Case for Democracy" (o argumento em favor da democracia), sua Bíblia própria em matéria de Oriente Médio.
No entanto muito do que os EUA vêm fazendo no decorrer dos anos parece contrariar os princípios de Sharansky.
Natan Sharansky foi, no passado, Anatoly Scharansky, o dissidente soviético que passou anos em prisão solitária por ter protestado contra o regime comunista. Em seu livro ele argumenta que a experiência soviética se aplica ao Oriente Médio -ou seja, que derrubar ditadores é prioritário, pois eles criam o que ele chama de ""sociedades do medo", que sobrevivem por semear o terror entre seus cidadãos.
Além disso, as ""sociedades do medo" são beligerantes por natureza. Por esse motivo, outros países precisam reconhecer que, com elas, a conciliação não funciona.
Na visão de Sharansky, a ampliação da liberdade deve ser um processo prolongado. Promover eleições antes da hora pode ser fatal -em lugar de liberdade, pode resultar em mais ditadura.
Antes que sejam realizadas eleições, é preciso que seja instaurado um Estado de Direito, que exista uma imprensa livre e algum grau de sociedade civil. Apenas quando a sociedade do medo tiver acabado é que as eleições poderão institucionalizar a liberdade. Então elas vão inspirar as populações de outros países a avançar rumo à liberdade, como aconteceu em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Sharansky acredita que sua fórmula ""vá funcionar em qualquer parte do mundo, inclusive no mundo árabe".
Sharansky vem sendo ridicularizado, tachado de ingênuo, mas sua teoria não deixa de soar plausível. Consideremos o velho projeto de Oslo. O acordo firmado em 1993 entre o então premiê israelense, Yitzhak Rabin, e o líder palestino Iasser Arafat foi assinado com essa esperança em mente. Em lugar de resultar na libertação dos palestinos, porém, veio sustentar mais uma década de corrupção e violência na Autoridade Nacional Palestina (ANP). De fato, conclui Sharansky, ao final, ""havia menos liberdade e mais medo na sociedade palestina do que antes de Oslo começar".
Em 2002, Sharansky expôs essas idéias em audiência com Bush. Pouco depois, o presidente anunciou que iria interagir apenas com uma ANP que não estivesse ""contaminada pelo terror". Bush também declarou que queria um governo democrático. Ele deixou claro que Arafat não seria aceito como interlocutor.
E agora? De acordo com as normas de Sharansky, é correto pressionar o Egito a mudar, como fez Bush em seu Discurso sobre o Estado da União. O mesmo se aplica aos esforços para levar mais democracia à Arábia Saudita.
Pela filosofia de Sharansky, também faz sentido agir com dureza em relação ao Irã. O velho regime soviético dispunha de um arsenal nuclear formidável, mas acabou se rendendo, mesmo assim. Entretanto as regras de Sharansky também nos dizem que o envolvimento dos EUA com o Paquistão, que está longe de constituir um modelo de democracia, é errado. Quanto às eleições no Afeganistão, elas podem ter sido realizadas antes da hora. As do Iraque, possivelmente, também.
E sobre a nova ANP? As normas de Sharansky dizem que os EUA erraram ao ratificar as eleições palestinas após a morte de Arafat. Ainda era cedo demais para eleger um novo presidente; era preciso uma ruptura mais clara com a velha tolerância ao terror.
Entretanto, também é possível avaliar a situação sob uma ótica mais positiva, mesmo utilizando o modelo soviético. Isso porque 2005 talvez guarde mais semelhanças com 1989 do que com 1993. Neste momento, como aconteceu em 1989, parece estar ocorrendo um impulso democrático. Assistir à queda de Saddam inspirou os cidadãos do Afeganistão a aderirem à democracia. Ver os afegãos irem às urnas inspirou o mundo, inclusive os eleitores da Ucrânia, que, mesmo fazendo frente a grandes riscos, deram um passo em direção à liberdade real.
A visão do presidente eleito, Viktor Yushchenko, tomando posse, ainda com a pele manchada após ter sido envenenado por agentes do velho ""Estado do medo" ucraniano, pode ter inspirado os eleitores iraquianos. Do mesmo modo, ouvir Bush saudar os iraquianos pode inspirar os palestinos a avançarem.


Tradução de Clara Allain

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