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Estratégia de Pequim inclui o Brasil
JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA
O presidente chinês, Jiang Zemin, desembarca em Brasília na
próxima quarta-feira para uma
visita cheia de simbolismo político, que vai durar menos de 24 horas. Em sua rápida passagem,
Jiang quer enfatizar a importância, sobretudo diplomática, que
Pequim empresta ao Brasil, apontando-o como seu principal parceiro na América Latina e como
pilar fundamental na estratégia
chinesa de buscar um mundo
multipolar, em contraste com a
situação atual de hegemonia norte-americana.
A crise provocada pelo choque
entre o caça chinês e o avião espião dos EUA alimentou especulações sobre um cancelamento da
viagem pela América Latina. Mas
Jiang manteve a agenda, para diminuir a temperatura do enfrentamento com Washington e para
ressaltar a importância reservada
por Pequim às possibilidades de
cooperação no cenário latino-americano.
Jiang, segundo apurou a Folha,
tomou pessoalmente a iniciativa
de sugerir a visita ao Brasil, para
fazer uma "escala política" em sua
turnê de 12 dias por Argentina,
Chile, Cuba, Uruguai e Venezuela. Nesses países, o presidente chinês deve assinar cerca de 20 acordos comerciais e de promoção de
investimentos.
No Brasil, que já é o principal
parceiro econômico da China na
América Latina, Jiang não vai assinar nenhum acordo comercial.
Reúne-se com o presidente Fernando Henrique Cardoso para
"debater os rumos da globalização", expressão diplomática usada a fim de suavizar o debate sobre a hegemonia dos EUA no
mundo pós-Guerra Fria.
Para destacar as deferências reservadas a Brasília, a embaixada
chinesa no país ressalta que o Brasil é o único a receber duas visitas
do dirigente chinês desde que ele
chegou ao poder, em 1989. A primeira ocorreu em 1993. Dois anos
depois, FHC esteve em Pequim.
Membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e potência nuclear, a China desenvolve uma diplomacia voltada ao
surgimento de um mundo multipolar e busca aliados dispostos a
questionar os caminhos da globalização modelada por Washington.
Para isso, escolhe em diversas
regiões do planeta um "parceiro
estratégico", a fim de estreitar relações políticas, econômicas e
científicas. Na América Latina, esse papel cabe ao Brasil.
O governo brasileiro é um parceiro valorizado por Pequim também porque não destaca na agenda bilateral a questão dos direitos
humanos na China. Devido a sua
situação interna nesse campo, o
Brasil sabe que não pode cobrar
de Pequim, como fazem EUA e
países europeus, medidas contra
a repressão política e religiosa
promovida pelo regime chinês.
Mais preocupado com suas
questões regionais e comerciais, o
Brasil não alimenta o mesmo entusiasmo que a China pelo estreitamento das relações políticas.
Mas também não deixa de estimulá-las, ao calcular que Pequim,
dona de uma economia que cresceu 8,3% no ano passado, pode
ser um pólo de entrada crucial para uma maior participação econômica brasileira na Ásia.
O Brasil avalia ainda a importância da entrada da China na Organização Mundial do Comércio,
entidade encarregada de regular o
setor. A adesão deve ocorrer até o
fim deste ano, depois de mais de
uma década de negociações, e vai
aumentar a inserção de Pequim
na economia mundial.
A China deve se tornar um importante aliado do Brasil em disputas comerciais que separem os
países em desenvolvimento do seleto grupo dos "ricos", formado
basicamente por EUA, Canadá,
Japão e União Européia.
Como exemplo dessa "cooperação Sul-Sul", China e Brasil gostam de alardear o programa conjunto para construção e lançamento de satélites de sensoriamento remoto. Conhecidos pela
sigla CBERS, eles obtêm imagens
que podem ser usadas, por exemplo, para monitorar problemas
agrícolas ou do meio ambiente. O
primeiro satélite foi lançado em
1999, e há planos para colocar em
órbita mais três.
No universo econômico, o comércio bilateral ainda se recupera
do impacto da crise financeira
asiática e da crise do real, ocorridas na segunda metade da década
passada. Em 1995, o intercâmbio
havia atingido US$ 2,24 bilhões,
para voltar, após quase cinco anos
de quedas, ao patamar de US$ 2,3
bilhões em 2000.
Apesar da recuperação e de
perspectivas de crescimento, o
peso relativo do intercâmbio econômico ainda é pequeno, dificultado por fatores como distância e
desconhecimento mútuo dos
mercados. Em 2000, o comércio
bilateral respondeu por apenas
2,07% do total da balança comercial brasileira no período.
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