São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

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Estratégia de Pequim inclui o Brasil

JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

O presidente chinês, Jiang Zemin, desembarca em Brasília na próxima quarta-feira para uma visita cheia de simbolismo político, que vai durar menos de 24 horas. Em sua rápida passagem, Jiang quer enfatizar a importância, sobretudo diplomática, que Pequim empresta ao Brasil, apontando-o como seu principal parceiro na América Latina e como pilar fundamental na estratégia chinesa de buscar um mundo multipolar, em contraste com a situação atual de hegemonia norte-americana.
A crise provocada pelo choque entre o caça chinês e o avião espião dos EUA alimentou especulações sobre um cancelamento da viagem pela América Latina. Mas Jiang manteve a agenda, para diminuir a temperatura do enfrentamento com Washington e para ressaltar a importância reservada por Pequim às possibilidades de cooperação no cenário latino-americano.
Jiang, segundo apurou a Folha, tomou pessoalmente a iniciativa de sugerir a visita ao Brasil, para fazer uma "escala política" em sua turnê de 12 dias por Argentina, Chile, Cuba, Uruguai e Venezuela. Nesses países, o presidente chinês deve assinar cerca de 20 acordos comerciais e de promoção de investimentos.
No Brasil, que já é o principal parceiro econômico da China na América Latina, Jiang não vai assinar nenhum acordo comercial. Reúne-se com o presidente Fernando Henrique Cardoso para "debater os rumos da globalização", expressão diplomática usada a fim de suavizar o debate sobre a hegemonia dos EUA no mundo pós-Guerra Fria.
Para destacar as deferências reservadas a Brasília, a embaixada chinesa no país ressalta que o Brasil é o único a receber duas visitas do dirigente chinês desde que ele chegou ao poder, em 1989. A primeira ocorreu em 1993. Dois anos depois, FHC esteve em Pequim.
Membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e potência nuclear, a China desenvolve uma diplomacia voltada ao surgimento de um mundo multipolar e busca aliados dispostos a questionar os caminhos da globalização modelada por Washington.
Para isso, escolhe em diversas regiões do planeta um "parceiro estratégico", a fim de estreitar relações políticas, econômicas e científicas. Na América Latina, esse papel cabe ao Brasil.
O governo brasileiro é um parceiro valorizado por Pequim também porque não destaca na agenda bilateral a questão dos direitos humanos na China. Devido a sua situação interna nesse campo, o Brasil sabe que não pode cobrar de Pequim, como fazem EUA e países europeus, medidas contra a repressão política e religiosa promovida pelo regime chinês.
Mais preocupado com suas questões regionais e comerciais, o Brasil não alimenta o mesmo entusiasmo que a China pelo estreitamento das relações políticas. Mas também não deixa de estimulá-las, ao calcular que Pequim, dona de uma economia que cresceu 8,3% no ano passado, pode ser um pólo de entrada crucial para uma maior participação econômica brasileira na Ásia.
O Brasil avalia ainda a importância da entrada da China na Organização Mundial do Comércio, entidade encarregada de regular o setor. A adesão deve ocorrer até o fim deste ano, depois de mais de uma década de negociações, e vai aumentar a inserção de Pequim na economia mundial.
A China deve se tornar um importante aliado do Brasil em disputas comerciais que separem os países em desenvolvimento do seleto grupo dos "ricos", formado basicamente por EUA, Canadá, Japão e União Européia.
Como exemplo dessa "cooperação Sul-Sul", China e Brasil gostam de alardear o programa conjunto para construção e lançamento de satélites de sensoriamento remoto. Conhecidos pela sigla CBERS, eles obtêm imagens que podem ser usadas, por exemplo, para monitorar problemas agrícolas ou do meio ambiente. O primeiro satélite foi lançado em 1999, e há planos para colocar em órbita mais três.
No universo econômico, o comércio bilateral ainda se recupera do impacto da crise financeira asiática e da crise do real, ocorridas na segunda metade da década passada. Em 1995, o intercâmbio havia atingido US$ 2,24 bilhões, para voltar, após quase cinco anos de quedas, ao patamar de US$ 2,3 bilhões em 2000.
Apesar da recuperação e de perspectivas de crescimento, o peso relativo do intercâmbio econômico ainda é pequeno, dificultado por fatores como distância e desconhecimento mútuo dos mercados. Em 2000, o comércio bilateral respondeu por apenas 2,07% do total da balança comercial brasileira no período.


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