São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUSTIÇA
Para Comissão Européia, gigantes do tabaco facilitam a venda ilegal, o que serviria para lavar dinheiro do narcotráfico

Indústria ajuda tráfico de cigarros, diz UE

CLAUDIA ASSEF
DE PARIS

Um terço dos cigarros consumidos no mundo chega às mãos dos consumidores por meio do contrabando. Além da evasão fiscal, que só na Europa significou uma perda de quase US$ 700 milhões em 2000, a venda ilegal de cigarros é capaz de deixar um rastro tão devastador quanto o do tráfico de drogas.
"Os traficantes de cigarros são perigosos e impiedosos. São como os chefões do tráfico de drogas", compara o presidente do Comitê Francês de Luta contra o Tabagismo, Gérard Dubois.
Em 2000, a aduana francesa apreendeu mais de 210 toneladas de cigarros sem notas fiscais, escondidos em caminhões e navios de carga prontos para se espalhar por várias partes da Europa.
Grande parte do tabaco apreendido na França, cerca de 70%, tinha como destino final o Reino Unido, onde, por conta das altas taxações, um maço de cigarros custa em média R$ 20.
Na tentativa de encontrar a raiz do problema, a União Européia (UE) entrou com processo na Justiça norte-americana contra a Philip Morris e a RJ Reynolds, duas das maiores produtoras de cigarros do mundo.
Segundo a Comissão Européia, de onde a ação judicial partiu, as duas empresas conhecem e, pior ainda, facilitam o contrabando dos cigarros produzidos em suas indústrias. "Parece-nos pouco provável que empresas tão sofisticadas e gigantescas não conheçam todos os níveis de comercialização de seus produtos", disse à Folha Luc Veron, porta-voz antifraude da Comissão Européia.
Nos próximos meses, um júri federal da Carolina no Norte deverá examinar o que a Comissão Européia vem chamando de "informações explosivas" sobre o elo entre a indústria do tabaco e o contrabando de cigarros.
Presume-se que a rota do cigarro ilegal que entra na Europa tenha início em Nova York. O cigarro contrabandeado partiria de dos EUA com destino a países do Caribe, como Panamá e Aruba.
De lá, o cigarro seguiria de navio para sua primeira parada em portos europeus. Acredita-se que a papelada fria, que permite a entrada da mercadoria em território europeu, seja forjada no navio.
O cigarro contrabandeado atracaria em portos grandes e movimentados, como os de Le Havre e Calais, na França, o de Antuérpia, na Bélgica, e o de Hamburgo, na Alemanha. E seguiria para cidades estratégicas da Europa, até alcançar o norte da África.
Na Itália o tráfico de cigarros é um dos mais sofisticados do mundo. No país, a máfia do cigarro já emprega mais de 20 mil pessoas. A estimativa é do Ministério da Fazenda italiano, que, atordoado com a perda de receita fiscal, viu-se obrigado a formar uma comissão antimáfia.

EUA e Ásia
Dentro da engrenagem do contrabando mundial de cigarros, os EUA funcionariam como uma lavanderia de dinheiro sujo.
Essa é uma das teorias que a ação movida pela UE contra a Philip Morris e a RJ Reynolds quer comprovar.
O raciocínio seria o seguinte: para lavar dinheiro conseguido com o contrabando de armas e de drogas, os "tesoureiros" das quadrilhas comprariam quantidades imensas de cigarros diretamente dos fabricantes. Daí começaria o ciclo do contrabando de tabaco, que, segundo especialistas, atrai atualmente mais "mão-de-obra" do que o tráfico de drogas.
"A maior vantagem que os traficantes enxergam no comércio do cigarro é que, se forem presos, as penas serão fatalmente mais brandas", avalia Gérard Dubois, presidente do Comitê Francês de Luta contra o Tabagismo.
Sem pagar impostos e sem passar por nenhum tipo de controle para chegar até os consumidores, o cigarro de contrabando acaba servindo como um estímulo para o aumento do tabagismo.
Livre de taxas, o cigarro sem nota fiscal chega às ruas por preços que chegam a ser até dez vezes mais baixos do que o normal. "Com preços muito mais baixos, o consumo só tende a aumentar, especialmente entre os adolescentes", diz a brasileira Vera Costa e Silva, que assumiu há um mês a gerência da Iniciativa Livre de Tabaco, missão da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Os chineses consomem quase 1 de cada 3 cigarros fabricados no mundo. São 1,6 trilhão dos 5,2 trilhões de cigarros produzidos a cada ano. Por ser um eldorado da fumaça, a China é um dos países que mais cobram impostos sobre as vendas de tabaco no mundo. E é aí que o mercado legal começa a perder terreno. "Alguns especialistas dizem que, enquanto os impostos não forem mais equilibrados entre os países, o contrabando continuará a existir", diz Vera.
Segundo um estudo da British American Tobacco, apenas 5% dos cigarros consumidos na China advêm do comércio legal.


Texto Anterior: Multimídia: "Mad" usa sexo explícito para sobreviver
Próximo Texto: Aids: África do Sul pressiona farmacêuticas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.