São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

AIDS
Em artigo, o presidente sul-africano pede que as indústrias considerem a saúde um "direito fundamental" dos pobres

África do Sul pressiona farmacêuticas

THABO MBEKI

Passados seis anos desde a libertação da África do Sul, as questões possivelmente mais conflitivas que absorvem a atenção de nosso país estão relacionadas à saúde. Elas surgiram em virtude da Aids e da legislação que poderia nos permitir adquirir a preços acessíveis os medicamentos para combater essa doença.
Trata-se da Lei sobre Controle de Medicamentos e Substâncias Afins, à qual 39 laboratórios multinacionais se opõem há três anos nos tribunais para impedir que seja colocada em prática.
Segundo os dados mais recentes, 4,7 milhões de sul-africanos -um em cada nove cidadãos- estão infectados pelo vírus HIV.
O fato de a saúde ter adquirido tamanho destaque no debate público confirma a importância central do problema em nossa permanente luta em favor de melhor vida para todos.
Com relação ao programa de ação de nosso governo, resulta essencial que todos nos unamos para dar uma resposta global aos problemas de saúde que atingem os sul-africanos, especialmente os milhões de pobres desse país.
Naturalmente, a luta contra a pobreza é fundamental nesse esforço, bem como questões como as da alimentação nutritiva, água potável, instalações modernas de saneamento e um ambiente limpo e saudável.
O acesso primário ao cuidado com a saúde compreende ainda o acesso a serviços médicos básicos, que incluem a disponibilidade de medicamentos.
Entre outras coisas, isso vai requerer um número maior de agentes sanitários com treinamento adequado, para orientar as pessoas.
Uma das tarefas desses agentes será a de conduzir uma ampla campanha educativa sobre uma longa série de temas, como a importância de usar água potável para evitar diversas enfermidades, bem como a necessidade de utilizar preservativos para evitar doenças sexualmente transmissíveis.
A questão dos remédios necessários é central em nossos esforços para alcançar o objetivo de "saúde para todos".
Nesse contexto, devemos expressar nosso sincero apreço à empresa farmacêutica norte-americana Pfizer, que decidiu colocar gratuitamente um de seus medicamentos contra a Aids à disposição dos sul-africanos por dois anos.
Isso por si só representará uma economia para os serviços públicos de saúde de US$ 43 milhões por ano. A Pfizer também contribuirá com os fundos necessários tanto para treinar agentes sanitários, para que ministrem esse medicamento, quanto para a aquisição dos equipamentos imprescindíveis para a realização dos exames médicos necessários.
Tudo isso constitui um exemplo concreto do que se pode fazer conjuntamente pelos setores público e privado para enfrentar o desafio de vida ou morte que representa a melhoria da saúde dos pobres.
Reconhecemos o fato de que existe uma contradição inerente entre a perseguição da meta de "saúde para os pobres", com a qual nosso governo está firmemente comprometido, e a busca do lucro, que é o objetivo de toda empresa comercial.
Uma inequívoca evidência dessa contradição é a grande insuficiência dos recursos destinados ao desenvolvimento dos remédios para combater as enfermidades da pobreza e do subdesenvolvimento.
Uma luta permanente entre o povo e as companhias farmacêuticas não poderá ser evitada, a menos que todos os envolvidos, incluindo as nações desenvolvidas, aceitem que é possível enfrentar tanto as necessidades quanto os imperativos da atividade comercial normal.
Devido ao atual reconhecimento universal da importância da erradicação global da pobreza, das relações entre saúde e desenvolvimento e da necessidade de acabar com a distância entre ricos e pobres, entre Norte e Sul, considero um objetivo possível o de chegar a uma aceitação comum do princípio que afirma que a saúde é para os pobres um direito humano fundamental.
O esforço para generalizar a aceitação dessa posição deve continuar e, assim, estimular o desenvolvimento de campanhas para melhorar radicalmente a saúde da maioria das pessoas em nosso país e no resto do mundo.
É uma infelicidade que esse tema dos direitos humanos, da dignidade humana e da própria vida tenha de terminar em nossos tribunais. Entretanto, como sempre, respeitaremos a decisão, seja qual for, que finalmente a Justiça ditar.


Thabo Mbeki é presidente da África do Sul


Texto Anterior: Justiça: Indústria ajuda tráfico de cigarros, diz UE
Próximo Texto: Mbeki é acusado de dificultar combate à Aids
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.