São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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ANÁLISE

Bush e Blair devem admitir seus erros

ROBIN COOK
DO "INDEPENDENT"

Já se passou quase um ano desde que o presidente dos EUA, George W. Bush, anunciou o fim das ""grandes operações de combate" no Iraque. No entanto, as TVs exibem imagens violentas que se parecem estranhamente com grandes operações de combate. Conquistar o Iraque pode ter sido fácil, mas governá-lo como país ocupado é um desafio muito mais difícil de enfrentar.
Não que aqueles que criaram o problema já estejam dispostos a admitir que erraram nos cálculos. O discurso de Bush e de todos os seus generais, nos últimos dias, tem sido o da negação. As variações sobre o tema da decisão de ""manter o rumo" visam desviar de antemão qualquer tentativa de questionar se a escalada do confronto não seria evidência de que estão no rumo errado. É difícil sentir qualquer confiança na possibilidade de a liderança atual da coalizão encontrar uma solução, quando ela parece ser incapaz de admitir que tem um problema.
Graças a revelações recentes, sabemos agora que o premiê britânico, Tony Blair, e Bush começaram a discutir a possibilidade de invadir o Iraque duas semanas após o 11 de Setembro, um ano e meio antes de a invasão se concretizar. É notável, e prova de negligência proposital, que o período entre uma coisa e outra tenha sido utilizado para planejar uma operação militar nos mínimos detalhes, mas que não se tenha pensado nos problemas previsíveis e assustadores de se reconstruir todo o aparato do governo civil.
Fica difícil propor um programa de estabilidade após um ano inteiro repleto de erros de proporções épicas, tais como a demissão precipitada do Exército iraquiano inteiro sem oferecer a seus homens qualquer alternativa de emprego, mas deixando que levassem suas armas. Mas respondamos aos pedidos repetidos de ""seguir em frente" e oferecer à coalizão uma saída do buraco.
Os EUA devem parar de agravar a situação com suas tentativas de esmagar qualquer resistência com força avassaladora. Bombardear vizinhanças miseráveis e superpovoadas a partir de helicópteros Apache só convence a maior parte da população de que os americanos vêem todos os iraquianos como inimigos. É uma ironia cruel que, tendo prometido que a vitória no Iraque levaria à paz no Oriente Médio, a administração Bush tenha, na prática, levado a Bagdá as táticas militares que o premiê israelense, Ariel Sharon, aplica contra os palestinos, com precisamente o mesmo resultado no que diz respeito a consolidar a oposição local.
É necessário legitimar o governo do Iraque junto à população. Seria um erro adiar a transição política planejada para 30 de junho. Seria igualmente equivocado exagerar seu significado. Não houve nenhum processo representativo para a criação do novo governo interino, que vai se parecer muito com o atual Conselho de Governo escolhido a dedo pelo Pentágono. Ninguém sabe exatamente que poderes serão de fato transferidos para o governo interino, já que, inacreditavelmente, faltando apenas dois meses, suas funções ainda não foram decididas. Sabe-se, porém, que o Exército iraquiano vai operar ""sob comando unificado", ou seja, sob o comando de um general americano de quatro estrelas, algo que confere todo um novo sentido às afirmações de suposta transferência de soberania nacional.


Robin Cook, 58, é parlamentar trabalhista desde 1974 e foi chanceler do Reino Unido de 1997 a 2001.


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