São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Tradição secular sepulta João Paulo 2º

Cerimônias que hoje marcam fim da era Karol Wojtyla exibem 700 anos de história e abrem período de espera pelo novo papa

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Setecentos anos de história serão exibidos a partir das 10h de hoje (5h em Brasília), quando começarão as cerimônias de sepultamento de Karol Wojtyla, cujo corpo ficará a passos da inscrição ""Petrus hic est", que indica a sepultura de São Pedro, considerado o primeiro papa e, portanto, portador de uma tradição muito mais antiga, medida em milênios.
Mas cerimônias fúnebres que duram nove dias foram estabelecidas pelo papa Gregório 10º (1271-76). Antes, o papa era sepultado no mesmo dia da morte ou, no máximo, no dia seguinte.
João Paulo 2º estará com a mesma roupa branca com o manto vermelho, que, na tradição cristã, rememora o martírio de Cristo.
Na cabeça, a mitra também branca; ao peito, a cruz e o báculo (de alumínio, que o papa passou a usar faz cinco anos, por ser mais leve, mais fácil de carregar).
O funeral é em latim, a "Missa Poenitenzialis", a ser assistido por cerca de 200 chefes de Estado ou governo, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva, líderes religiosos, Prêmios Nobel -como a guatemalteca Rigoberta Menchú e o ex-presidente Mikhail Gorbatchov- e outras autoridades.
O caixão ficará no átrio diante da basílica e o público poderá acompanhar todas as cerimônias, previstas para durar quatro horas, dos telões já instalados não só na via Della Conciliazione, a principal via que leva à praça de São Pedro, mas também em diferentes igrejas de Roma. Haverá telões até na ala de embarque do aeroporto internacional de Fiumicino.
Quem quiser comungar poderá fazê-lo nas igrejas em que houver telões. Depois da comunhão, o cardeal Joseph Ratzinger, decano do Colégio de Cardeais, lerá a "última recomendação e encomenda" da alma de Karol Wojtyla.
"Confiamos à suavíssima misericórdia de Deus a alma de nosso papa João Paulo 2º, bispo da Igreja Católica, que confirmou os irmãos na fé da ressurreição", dirá.
Em seguida, o cardeal-vigário de Roma, Camillo Ruini, lerá a "Súplica da Igreja de Roma".
Terminada a missa, haverá o sepultamento na cripta da basílica de São Pedro, na ala em que há 62 outros sepulcros, um deles deixado vazio pela transferência do corpo do papa João 23 para as dependências em que ficam os santos e beatos (ele já foi beatificado).
Conforme o desejo do próprio Wojtyla, seu caixão -tríplice caixa com uma de cipreste, posta em uma de zinco e, por fim, em uma de carvalho- será enterrado em "terra nua". Significa que não haverá um mausoléu, mas só uma lápide com a inscrição "Johannes Paulus P. P. II", conforme relato do jornalista Vittorio Zucconi, do "La Repubblica", autorizado anteontem a visitar o local. O "P. P." corresponde a papa pio.
Antes do funeral, o secretário particular do papa, o arcebispo polonês Stanislao Dziwisz, colocará um véu de seda branca sobre o rosto de Karol Wojtyla.
O caixão conterá ainda duas bolsas, uma com as medalhas de prata e de bronze que foram cunhadas no pontificado do papa e outra com uma breve biografia.
O camerlengo, cardeal Eduardo Martínez Somalo, cuja função é responder pela gerência da igreja até a escolha do novo papa , pronunciará, então, uma oração em que pede a "Deus onipresente e eterno, Senhor da vida e da morte", que cuide da vida do "santo padre João Paulo 2º".
O caixão do papa ficará em uma abertura de 1m70 de profundidade, "perfeitamente retangular". Na parede do fundo, "uma estupenda Nossa Senhora quatrocentista com a Criança e o anjo em baixo-relevo", segundo Zucconi.
A capela em que ficará o túmulo é ladeada pelas de duas mulheres: Carlotta, rainha de Chipre, e Cristina, rainha dos Godos, Visigodos e Suecos, que abdicou do luteranismo e se converteu ao catolicismo, o que lhe deu o direito de ocupar a cripta do Vaticano.
Zucconi, admirador do papa, fez questão de registrar que ele terá "duas mulheres a fazer de sentinelas, justo ele que foi acusado de antifeminismo".
Encerra o sepultamento a reza do pai-nosso pelo mestre das celebrações litúrgicas pontifícias, o arcebispo Piero Marini. Depois, fecha-se a lápide de mármore.
Mas não começa imediatamente uma nova era, e sim o período de "Sede Vacante" ou o vazio no trono de São Pedro. A capela Sistina, local em que os 116 cardeais eleitores se trancarão até escolherem o novo papa, foi fechada ontem, para prepará-la para o voto.
Na manhã do dia 18, por volta de 10h (5h em Brasília), os cardais celebrarão a missa "Pro Eligendo Papa". Depois do almoço, se encontrarão na capela Paulina, para dali dirigir-se em solene procissão à capela Sistina, invocando a presença do Criador e "a assistência do Espírito Santo".
A primeira votação será na tarde do dia 18. Cada cardeal se aproxima da urna à frente do Juízo Final, o fantástico afresco de Michelangelo, com a cédula dobrada em duas, o braço direito levantado acima da cabeça e os olhos voltados para o Jesus da pintura.
Dirá então que chama "como testemunha o Senhor, que me julgará", e completa: "Meu voto é dado àquele que, segundo Deus, acredito que deva ser eleito". O nome não é pronunciado.
A partir do dia 19 (a menos que o papa seja escolhido no dia 18), serão duas votações de manhã e outras duas à tarde. Após 30 votações, o colegiado pode optar por eleger o papa por maioria simples. Ele pode ainda decidir que concorrerão só os dois mais votados nas sessões anteriores.
Os votos são queimados na Sistina com soluções químicas que tornam a fumaça negra, se não tiver o novo papa, ou branca, em caso oposto. Nesse caso, tocam os sinos de bronze da basílica de São Pedro. E começa a nova era.


NA TV - Assista ao funeral do papa nas TVs Bandeirantes (a partir das 4h30) e Globo (a partir das 5h)

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