São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Calma prevalece no último dia de velório

Pessoas passariam a noite na praça para acompanhar o funeral do papa, hoje cedo; bandeiras polonesas estão por toda parte

Alessia Pierdomenico/Reuters
Últimos fiéis esperam na praça São Pedro, repleta de lixo após quatro dias de velório público,para de ver o corpo de João Paulo 2º


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Um festival de cores, cânticos, namoros internacionais e uma surpreendente calma. Foi assim o último dia do velório do papa João Paulo 2º, no Vaticano, após anúncios apocalípticos por parte das autoridades romanas que acabaram não se concretizando.
Os 5 milhões de fiéis viraram 2 milhões, nas palavras da Prefeitura de Roma, e nas ruas a cena era quase plácida em comparação com a confusão dos dois dias anteriores. O único princípio de confusão ocorreu por volta das 18h locais (13h em Brasília), quando a polícia resolveu encerrar novas admissões na fila para ver o corpo do pontífice morto no sábado passado. "Eu esperei tudo ficar mais calmo para poder ver o papa e agora não vou", disse a polonesa Agnieska, na linha de frente dos barrados. "Vim da Polônia para isso", completou.
Não só ela. Até hoje há a expectativa de presença de entre 1 e 2 milhões de conterrâneos de Karol Wojtyla. É o contingente estrangeiro mais numeroso nas imediações do Vaticano. Na rua que margeia o rio Tibre, do lado oposto ao onde fica a cidade-Estado católica, pelo menos 15 carros de placa polonesa e sinais visíveis de viagem longa estavam estacionados ontem cedo. Na fila para ver o corpo, o vermelho e branco da bandeira polonesa predomina, com o símbolo nacional brasileiro num segundo lugar distante.
Até ontem à noite, a Prefeitura de Roma esperava pelo menos 500 vagões-leito lotados de poloneses chegando à estação Termini -que, por sinal, será rebatizada como João Paulo 2º. O tráfego no perímetro central da cidade será permitido só para táxis e ônibus das 2h às 19h de hoje.
A via Della Conciliazione, que leva à praça São Pedro, seguiu a principal artéria da fila ontem, mas esta já não se ramificava para além da ponte Vittorio Emanuele 2º, como anteontem. Sobravam engradados de água fornecidos gratuitamente aos fiéis, até porque o calor ontem foi pouco.
A Conciliazione está reduzida, em sua largura, por uma seqüência de gradis -permitindo que as laterais sejam ocupadas pelos que não estão na fila, sejam eles turistas, jornalistas ou policiais. O último grupo, aliás, carrega algumas peculiaridades. Os famosos carabinieri (policiais) não são vistos exatamente fazendo papel preventivo. Às 17h45, um grupo conversava animadamente com jovens peregrinas polonesas e americanas, num clima de paquera à italiana que se reproduziu em vários cantos ao redor do Vaticano.
"Eles são bonitões", disse Jane O'Donnel, 20, americana de Boston que estava de férias no norte da Itália quando soube da morte do papa e resolveu vir a Roma. "Eles" são os carabinieri em seus uniformes preto-e-vermelho. Abordados, os policiais apenas davam risadas. Quem não parecia gostar da animação dos colegas eram dois policiais metropolitanos, a quem sobrou o trabalho de controlar os gradis de uma barreira policial na rua São Pio 10, que dá acesso à Conciliazione.
Além do aspecto mais mundano, havia também várias cenas de comoção aparentemente genuína. Na praça São Pedro, muitos acompanhavam as orações em várias línguas nos alto-falantes. Um grupo de senhoras com bandeiras irlandesas cantava hinos religiosos na lateral da Conciliazione. A seu lado, uma equipe de TV americana entrevistava um dos padres que ofereciam "confissões em várias línguas" lá mesmo, sentado na calçada que iria servir de hotel para quem não quer perder um lugar na missa que antecederá o sepultamento, hoje às 10h.
Não eram poucos os corajosos que iriam enfrentar o frio previsto de 5 C em sacos de dormir. "É um prazer", dizia o italiano Massimo Alberti, 28, um dos vários jovens próximos ao obelisco da praça, tornado santuário com velas, fotos e mensagens para o papa. Quando falou com a reportagem, no pôr-do-sol, ele ostentava um cobertor que era peça rara na noite de anteontem. O dele fora doado pela Ordem de Malta, uma das várias instituições responsáveis pelo bem-estar dos peregrinos.
Um dos fatores para a redução na fila foi o fato de que pessoas em cadeiras de rodas puderam ter acesso mais rápido, passando por uma entrada nas grades que fecham a praça São Pedro pelo lado esquerdo, na perspectiva de quem chega ao Vaticano. Havia em certos momentos verdadeira repetição da procissão dos doentes, que ocorre todo dia no santuário de Lourdes (França), quando dezenas de pessoas em cadeiras de rodas desfilam em frente à igreja dedicada à santa com fama de curar males diversos.
Por conta da melhor organização, caiu em pelo menos um terço, segundo estimou um oficial médico, o número de atendimentos na fila. Na noite anterior, haviam sido mais de 300.
"Agora acabou", resumiu um policial ao determinar o fim da fila. "Eu vou ver", resumiu eufórica a polonesa Maria, correndo para garantir seu lugar na última fila de fiéis que estão tornando o funeral de João Paulo 2º um dos maiores eventos do gênero já registrados.


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