São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2005

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ANÁLISE

Inclusão de árabes sunitas na cena política é o real desafio

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O governo de transição iraquiano terá quatro tarefas vitais: a escolha do gabinete, a redação da nova Constituição, a realização do plebiscito sobre a adoção da Carta e a organização de eleições. Ao menos as três últimas serão obstáculos consideráveis a transpor.
Embora não seja decisiva, a escolha do gabinete é importante porque a inclusão de um número razoável de árabes sunitas poderá atrair uma parte significativa dessa comunidade ao processo político, dando credibilidade à futura Constituição. Afinal, mesmo sendo cerca de 20% da população, os árabes sunitas só têm 17 das 275 cadeiras do Parlamento por conta do boicote à eleição de janeiro.
A redação da Constituição será o primeiro real problema que o governo terá de resolver. Por ora, árabes xiitas e curdos trabalham em relativa harmonia para dar alento ao processo político. Ao menos uma questão deverá pôr fim a esse quadro: o controle de Kirkuk, que se situa na divisa entre o Curdistão iraquiano e o restante do país -região com potencial para produzir até 1 milhão de barris de petróleo por dia em condições normais de segurança.
Para os curdos, cujo líder Jalal Talabani se tornou presidente, governar Kirkuk é essencial, pois isso significaria gerir -pelo menos em parte- as receitas auferidas com a venda de petróleo. Isso seria crucial para sustentar a autonomia que eles planejam conquistar com a nova Constituição graças à forte votação obtida em janeiro. Esta lhes valeu o status de segunda força política do Iraque.
Embora estejam cientes dessa aspiração curda, os árabes xiitas não pretendem abrir mão do controle de Kirkuk pelo governo central, visto que, para eles, a cidade "não faz parte do Curdistão iraquiano e não pode ser a capital de uma região autônoma curda". Ironicamente, a população local é majoritariamente árabe-sunita.
O plebiscito também será uma dura batalha para o governo. Sub-representados na Assembléia, os árabes sunitas sabem que, se a Carta lhes for desfavorável, poderão fazer campanha contra sua adoção. Vale lembrar que, segundo as leis atuais, a futura Constituição não será aprovada se for rejeitada em ao menos 3 das 18 Províncias iraquianas e que os árabes sunitas são majoritários em quatro delas, além de terem representação significativa numa quinta.
Finalmente, mesmo se a Carta for adotada, nada garante que uma parcela significativa da comunidade árabe-sunita não boicotará as eleições que deverão ocorrer em dezembro. No caso, ela ficaria sub-representada de novo, o que abriria caminho para mais violência e divisões sectárias.
Assim, é preciso ressaltar que a inserção dos árabes sunitas na cena política iraquiana é imprescindível. Afinal, não haverá nem um arremedo de sistema político democrático ou de paz no Iraque se essa comunidade não participar do processo. Trata-se, portanto, do real desafio para o talento político dos novos dirigentes do país.


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