São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2011

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ANÁLISE CRISE PORTUGUESA

Anúncio de Portugal só traz solução aos credores

Sangria de países da periferia europeia poderia ser estancada por um calote

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O anúncio de que Portugal finalmente atirou a toalha e está pedindo socorro à União Europeia (que, se vier, virá atado ao Fundo Monetário Internacional) provoca calor, mas não é a luz no fim do túnel. Pode até ser o contrário.
Basta lembrar o que está acontecendo com Grécia e Irlanda, os dois países que precederam Portugal no recurso a fundos europeus/FMI.
Na descrição da revista "The Economist", "as economias dos dois países afundam mais depressa do que esperado, e os juros cobrados para rolar suas dívidas (13% para a Grécia e mais de 10% para a Irlanda) permanecem teimosamente altos".
Portugal, antes de ser socorrida, paga menos, o que mostra como a intervenção externa não basta para resolver o problema. A "Economist" diz o que é preciso: "Grécia, Irlanda e Portugal necessitam que o peso de suas dívidas seja reduzido mais cedo do que tarde".
Ou, em palavras mais diretas, trata-se de um calote ou reestruturação da dívida ou "hair cut" (corte de cabelo); cada um que escolha o termo que choca menos a sensibilidade dos credores.
Esse caminho já é admitido até por banqueiros. A Folha ouviu, no mês passado, do economista-chefe de um banco alemão de primeiríssima linha que os fundos de socorro que a União Europeia já pôs de pé ou ainda está montando não tocam o essencial do problema: como os países em dificuldades vão pagar a sua dívida.
Para ele, a verdadeira saída seria podar 30% da dívida. Referia-se à Grécia, pois havia três jornalistas gregos no grupo que com ele conversou, mas o raciocínio vale para Portugal e Irlanda.
Como nem a "Economist" nem economista-chefe de banco (qualquer banco, alemão ou não) pertencem às correntes esquerdistas radicais que defendem o calote como arma ideológica, só se pode concluir que é um instrumento que precisa ser incorporado ao arsenal para estancar a sangria dos países da periferia europeia.
A receita atual, na forma de pacotes de austeridade primeiro e, depois, ajuda externa condicionada a mais austeridade, "resolve o problema do credor matando o devedor", como comenta Daniel Oliveira, no semanário "Expresso", a melhor publicação portuguesa.
Se a campanha portuguesa para a eleição de 5 de junho puser na agenda o "hair cut", a crise terá servido para algo. Do contrário, o devedor ficará sangrando em praça pública por muito tempo.


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