São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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O FIM DO NAZISMO

Comemorações pelo Dia da Vitória na Europa são motivo de mal-estar para americanos, britânicos e russos
Feridas da 2ª Guerra continuam abertas

Alexander Nemenov - 3.mai.2005/France Presse
Homem passa ao lado de um "1945" gigantesco em Poklonnaya, Moscou, onde o aniversário da Segunda Guerra será comemorado


ADRIAN HAMILTON
DO "INDEPENDENT"

Sessenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial (na Europa, ao menos), o mundo parece mais distante do que nunca de compreender ou esquecer aquele terrível período.
Tomemos como exemplo as celebrações do Dia da Vitória na Europa que acontecerão neste final de semana, culminando numa marcha na praça Vermelha, em Moscou, amanhã, com a presença dos presidentes George W. Bush (EUA) e Jacques Chirac (França) e do chanceler (premiê) Gerard Schröder (Alemanha).
Comparado às celebrações do aniversário do Dia D do ano passado, o evento poderia ser visto mais como uma discreta reunião para um funeral em família, e não como celebração da vitória final sobre um dos mais destrutivos e profundamente maléficos regimes que a Europa já viu.
Existe um motivo isso, evidentemente, e não é simplesmente o fato de que o Reino Unido estava emaranhado nos preparativos para suas eleições, ou a França com o seu plebiscito. O Dia da Vitória na Europa é, para ser franco, causa de embaraço para os britânicos, para quem a data sinaliza a perda de poder para os EUA e a perda do império, que aconteceria em seguida; para a Europa central e oriental, para quem a data representa não só o final da ocupação nazista mas também o início do período de tutela soviética; para os americanos, agora presos entre o desejo de manter uma relação especial com a Rússia e a pressão para que defendam a liberdade no antigo império soviético; e até para os russos, que agora só podem comparar a glória de sua vitória em 1945 à perda de influência sofrida nos últimos anos.
Bush teve de combinar seu comparecimento à cerimônia em Moscou com uma viagem à Letônia e à Geórgia, países liberados do jugo soviético no último decênio. Putin está envolvido em uma desagradável controvérsia com os países bálticos, dois dos quais não estão enviando representante nenhum à celebração.
É mais do que simplesmente uma questão de feridas ainda abertas. A sensação é que praticamente todas as questões suscitadas pelo fim da guerra continuam sem solução até hoje. O Dia D pôde ser celebrado no ano passado simplesmente como uma vitória militar (e de planejamento). O fim a guerra, como bem compreendem os vitoriosos, envolve política e um acordo no pós-guerra, e a aclamação quanto aos resultados é muito mais difícil.
A vitória dividiu a Europa nas porções ocidental e oriental, condenando os povos da Europa Oriental a duas gerações de ocupação. Mas também serviu como preâmbulo a uma Guerra Fria que, ao congelar a situação existente ao final da guerra, também congelou todas as possibilidades de nacionalismo e autodeterminação que poderiam ter sido exploradas de outra forma. E, porque a Segunda Guerra foi um conflito genuinamente global, 1945 solidificou uma situação que se estende bem além da Europa.
Os EUA emergiram da guerra como a mais forte potência militar e econômica, por larga margem. Continuam a sê-lo, depois do desafio da Rússia no terreno das armas nucleares. Mas Washington continua a oscilar, como sempre, entre o unilateralismo e o multilateralismo na maneira de aplicar esse poder.
Em fins de 1945, era evidente que os dias dos impérios europeus estavam contados. Passados 40 anos, o fim dos impérios é um fato estabelecido (se excluirmos os sonhos de alguns historiadores), mas só agora começamos a lidar com os problemas dos Estados multiétnicos criados pelos impérios, e deixados intactos quando estes se dissolveram.
A maior parte das coisas que não foram previstas enquanto os vitoriosos celebravam a morte de Adolf Hitler e a queda do Terceiro Reich -o desenvolvimento da União Européia, o crescimento da ONU, o começo de um sistema internacional de Justiça, a negociação de tratados de desarmamento nuclear- vem agora perdendo destaque.
De fato, de certa maneira o Ocidente está caminhando para trás em sua forma de pensar. A posição instintivamente unilateralista de Bush quanto a um "mundo democrático" vê os assuntos internacionais com a mesma visão monocromática e inflexível da era da Guerra Fria, abandonando, no processo, alguns antigos aliados nada democráticos.
A linguagem usada para descrever a China como "nova superpotência" remonta aos anos 50, como se a única coisa que importasse fosse uma combinação de Produto Interno Bruto alto e armamentos. A posse de um arsenal nuclear continua a ser a única rota segura para o poder internacional, agora como então. O mesmo vale para o desdém com os anseios e a reformulação das estruturas de poder na América Latina. É como se o mundo só existisse sob a forma de pensar de 1945.
Nesse sentido, podemos simpatizar um pouco com a irritação de Putin com as queixas dos países bálticos sobre a celebração da vitória em Moscou. A Rússia fez muito por vencer a guerra na Europa; de fato, fez mais do que qualquer nação. Se agora deseja usar a ocasião para voltar a olhar o mundo tal qual o vemos hoje, e usar parte do espírito e das alianças de 1945, tem todo o direito de fazê-lo. Mas, com o atual grupo de líderes ocidentais, é muito improvável que isso aconteça.
Tradução de Paulo Miggliaci

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