|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AMÉRICA LATINA
Segundo analista, país não tem força para ser líder mundial, mas consegue atuar como conciliador na região
Brasil é "bombeiro da América do Sul"
CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Brasil não tem poder econômico nem militar, por isso jamais
poderá ser um líder mundial. Mas
sua diplomacia estável e poder
conciliador são os capitais que
tornam o país o "bombeiro da
América do Sul", afirma o professor de relações internacionais da
Universidade de Brasília, Amado
Luiz Cervo, 64, que estuda as relações externas do Brasil há mais de
30 anos.
Nos últimos dias, o Brasil concedeu asilo político ao ex-presidente do Equador Lucio Gutiérrez, discutiu a situação da Venezuela com a secretária de Estado
americana, Condoleezza Rice, e
cravou uma vitória sobre a União
Européia na OMC (Organização
Mundial do Comércio).
Para Cervo, essas ações revelam
"o histórico potencial conciliador
do Brasil", mas ele classifica de
"ridícula" a aspiração do país a
um assento permanente no Conselho de Seguranças da ONU.
Doutor em história pela Universidade de Strasbourg, ele já publicou ou organizou mais de 30 livros. Leia, a seguir, a entrevista
que Cervo concedeu à Folha na
última terça-feira, no seminário
de 50 anos do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações Internacionais), instituição que já presidiu.
Folha - A liderança do Brasil é legítima ou imposta e incomoda os
vizinhos?
Amado Luiz Cervo - Liderança no
cenário externo depende de dois
fatores. Capacidade estratégica,
ou seja, poder militar, que o Brasil
não tem, e poder econômico, que
o Brasil também não tem. Portanto, o Brasil não tem poder no cenário internacional, mas isso não
quer dizer que seja irrelevante,
porque tem uma diplomacia racional, de continuidade histórica
e uma conduta externa previsível,
o que é um elemento de confiança. Por isso, possui uma racionalidade de conduta de Estado que os
vizinhos não têm, já que são muito volúveis e instáveis.
Folha - Isso é suficiente para
exercer uma liderança regional?
Cervo - O governo brasileiro é
um bombeiro, que apaga os incêndios da região e procura reduzir as tensões. Como a vizinhança
é muito pobre, a única potência
aqui é o Brasil, mesmo com o nosso pequeno Exército ridículo. O
Brasil tem capacidade estratégica
e superioridade econômica em
relação aos vizinhos. Pelo seu tamanho e sua população é invulnerável na área e procura reforçar
o poder com alianças políticas.
Esse é o caminho que escolheu
historicamente para reforçar seu
poder internacional. Isso vem
desde o presidente Juscelino Kubitschek, que lançou a Operação
Panamericana para administrar a
cooperação internacional para
conduzir projetos de desenvolvimento nacional no Brasil e na
América Latina (em 1958). Nos
anos 60 o Brasil foi um dos grandes líderes do Terceiro Mundo e
conseguiu coesões e coalizões. Esse governo está recuperando essa
tendência.
Folha - Mas o governo tem recebido críticas por apostar em alianças
com países pobres.
Cervo - O Brasil está conseguindo formar essas alianças com
grande êxito e quem critica não
enxerga isso. Exemplos dessa liderança é a formação do G20
[grupo de países em desenvolvimento que defendem o fim dos
subsídios agrícolas] e as vitórias
na OMC, que estabelece regras de
comércio que só favorecem os ricos. As vitórias do Brasil contra a
União Européia [subsídios à exportação de açúcar] e contra os
EUA [subsídios à produção de algodão] são provas desse sucesso.
A aliança Brasil-Índia-África do
Sul é outro exemplo. Agora está
surgindo uma aliança estratégica
entre Brasil, Argentina e Venezuela, que não sei como vai evoluir pois a Argentina é um parceiro que nunca foi confiável.
Folha - O Brasil acertou ao conceder asilo político ao ex-presidente
do Equador Lucio Gutiérrez?
Cervo - Claro que sim. Exatamente por ter o poder de conciliar, como fez no conflito ente
Equador e Peru, em 95, tem de
atuar assim. Esse poder de conciliar é o capital político do Brasil.
Folha - Esse capital político será
suficiente para conseguir um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU, como quer o
governo?
Cervo - Para que? O Brasil não
tem capacidade estratégica e não é
uma potência econômica. Vai fazer o que no Conselho de Segurança da ONU? Por que os grandes vão querer o Brasil, que só vai
atrapalhar, porque quem estabelece a ordem é quem tem poder. O
Brasil não tem meios para manter
a ordem. Só pode mandar um tropinha para o Haiti porque a ONU
paga. O Brasil está querendo se
sobrevalorizar. Não acho correto
querer se projetar acima dos próprios meios. Isso em relações internacionais é sempre um erro.
Folha - Lançar um candidato à direção-geral da OMC foi uma ousadia fracassada?
Cervo - Era óbvio que o Brasil ia
perder. O Seixas [embaixador
Luiz Felipe de Seixas Corrêa, candidato brasileiro] ia lutar pelos
países emergentes. O Lamy [ex-comissário de Comércio da União
Européia Pascal Lamy], que é
quem vai ganhar, vai lutar pelos
interesses do países desenvolvidos, das estruturas hegemônicas
da Europa e dos EUA, e a capacidade que esses países têm de influir na decisão dos outros é muito grande.
Folha - A Cúpula América do Sul-
Países Árabes é uma iniciativa audaciosa que pode afrontar os Estados Unidos?
Cervo - É audaciosa porque o
Brasil é o único interessado nesse
assunto. Nenhum outro país da
América do Sul tem interesses importantes no mundo árabe como
o Brasil. Essa cúpula pode criar
resistências à liderança do Brasil
na região. É preciso ter cuidado.
Mas não acredito que os EUA estejam muito preocupados. O
Bush [presidente George W.
Bush] gosta do Lula.
Folha - Por quê?
Cervo - Porque o Lula tem uma
política externa moderada. Só defende interesses concretos quando eles estão em jogo. Os americanos respeitam quem tem esse tipo
de comportamento. Por isso o
Bush gosta do Lula, sobretudo
porque sabe que o Brasil pode
manter a estabilidade na região.
Folha - Como o Brasil pode moderar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, como querem os Estados Unidos?
Cervo - Pela relação política, pessoal e econômica, ou seja, fazendo
exatamente o que está fazendo.
Na penúltima viagem que Lula fez
à Venezuela, ele carregou um
avião cheio de empresários. Ele
tem que manter o Chávez no seu
clube político, como seu amigo,
manter boa relação política e estreitamento econômico, para que
Chávez o escute.
Folha - As relações do Brasil com
Cuba incomodam os EUA?
Cervo - A relação do Brasil com
Cuba é simplesmente folclórica e
a opinião pública aprecia. Na verdade, Cuba é irrelevante. É apenas
símbolo de uma autonomia decisória em política internacional
que o Brasil frisou e manteve sempre. Essa relação não é ideológica,
mas sentimental e para segurar os
Estados Unidos e manter o princípio de auto determinação. O
Brasil não tem nada de ideologia
em política internacional. Isso
quem diz é uma direitona ignorante. O Brasil é pragmático e realista.
Texto Anterior: Cuba: Desenho animado é nova arma cubana contra os EUA Próximo Texto: Reino Unido: Brilho de Brown ofusca a vitória de Blair Índice
|