São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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ERA PUTIN

Na tentativa de conter o consumo desenfreado da bebida no país, Legislativo aprova projeto de lei que limita publicidade

País da vodca, Rússia mergulha na cerveja

Misha Japaridze - 5.ago.2004/Associated Press
Jovens russos tomam cerveja em Moscou; nova lei restringirá publicidade e comércio da bebida


STEVEN LEE MYERS
DO "NEW YORK TIMES", EM MOSCOU

A terra da vodca está alagada de cerveja não só nos cafés, restaurantes e bares, mas também no metrô, nas calçadas e nos parques. A qualquer momento do dia, é possível ver russos, jovens e velhos, de estudantes cabulando aula em grupo a executivos -e executivas- bem vestidos, a caminho do trabalho ou de casa, caminhando pela rua com uma garrafa de cerveja na mão.
Agora, os legisladores russos tentam conter o dilúvio. A Câmara Baixa do Parlamento aprovou na quinta-feira, por unanimidade, um projeto de lei que restringe a publicidade e o comércio de cerveja -bebida que começa a levar a culpa por boa parte dos males russos, do alcoolismo entre os jovens às arruaças públicas, passando pela apatia política.
Se a lei for aprovada pelo Conselho da Federação e sancionada pelo presidente Vladimir Putin, toda publicidade de cerveja na TV e no rádio será proibida das 7h às 22h. A lei restringe ainda o conteúdo da publicidade noturna: exclui imagens de pessoas e animais e proíbe slogans que criem "a ilusão de que beber cerveja é importante para obter sucesso, social ou em outras esferas".
As restrições afetam também a veiculação de publicidade a menos de 100 m de escolas, hospitais, estádios e ginásios esportivos e instituições culturais. As novas regras não se aplicam ao Parlamento, cuja sede vive cercada por outdoors de publicidade da cerveja Zolotaya Bochka, ou "Barril Dourado", mostrando um atleta musculoso sob o slogan "nossa vitória, nossa recompensa".
"É um primeiro passo no sentido de civilizar a nossa publicidade", disse Lyubok Sliska, primeira vice-presidente do Parlamento e um dos proponentes da lei.
Alexei Krivoshapko, analista do United Financial Group em Moscou, disse que a lei, caso entre em vigor, será a mais restritiva da Europa. Mas o efeito das restrições está longe de ser claro. Os oponentes dizem que as novas normas prejudicarão os esportes profissionais e a televisão, já que cerca de 10% do US$ 1,5 bilhão investido anualmente em comerciais vêm das fábricas de cerveja.
Descobrir de que modo a cerveja se tornou o flagelo do Parlamento russo é uma tarefa trabalhosa, já que o projeto tramitou por pelo menos dois anos, sem votação, até que fosse subitamente revivido nos últimos meses.
Alguns sentem a mão oculta das destilarias de vodca, temerosas do crescimento incansável da cerveja, ou a influência da Igreja Ortodoxa Russa e de vozes conservadoras que imputam à onipresente publicidade de cerveja a culpa pela difusão da bebida. Outros dizem que o Parlamento precisava de uma distração populista para desviar a atenção de uma medida impopular que substitui benefícios sociais por um sistema de pagamento em dinheiro.
"É uma reação puramente emocional dos deputados populistas", disse Krivoshapko. "Se eles estivessem interessados na saúde do país, achariam maneiras de restringir o consumo de vodca."
Não há dúvida de que a demanda por cerveja, um produto escasso na era soviética, disparou. O consumo per capita de cerveja dobrou depois de 1998, quando era em larga medida equivalente ao de vodca e outras bebidas pesadas, atingindo 52,5 litros anuais.
Para muitos russos, a cerveja é vista quase como um refrigerante, e é por isso que não é incomum que as pessoas tomem cerveja pela manhã. Pelo mesmo motivo, a cerveja não foi enquadrada nas restrições à propaganda de bebidas alcoólicas, que incluem a proibição de comerciais de vodca na TV, em vigor desde 1995.
"Em Moscou, é difícil evitar os grupos de adolescentes bebendo cerveja em quantidades que bateriam recorde mundial em uma feira de cerveja em Munique", escreveu Vladimir Simonov em artigo para a Agência Russa de Informação, órgão do governo. Para ele, há um elo entre a ascensão da cerveja e a apatia dos eleitores.
Para os fabricantes de cerveja, o projeto de lei ignora os problemas associados à bebida e censura a livre expressão publicitária. "É uma lei estúpida e ridícula", disse Oleg Tinkov, fundador da Tinkoff Private Brewery, cujos comerciais estão entre os mais audaciosos da TV. Para ele, seria melhor aumentar os impostos sobre a cerveja -a garrafa de meio litro é vendida por menos de um dólar- e elevar de 18 para 21 anos a idade mínima para o consumo de bebidas alcoólicas, além de proibir o consumo em lugares públicos.
Essa última idéia é apoiada por Vladimir Zhirinovsky, líder do Partido Liberal Democrata. "Beber cerveja em público deveria ser considerado má educação e vulgaridade", disse ele, que tem contrato com uma destilaria que vende uma vodca com o nome dele.
O diretor da União Russa dos Fabricantes de Cerveja, Vyacheslav Mamontov, disse que mais razoável seria a adoção de um código de auto-regulamentação pelos produtores. Em 2003, os membros da união adotaram um "código de honra" sob o qual prometiam não visar às crianças com sua publicidade nem encorajar o consumo excessivo de álcool.
Sliska disse que a lei não fora inspirada pelo desejo de proibir o consumo de álcool, mas pela preocupação quanto às influências negativas do consumo do produto. "O Partido Rússia Unida adora beber, mas defendemos a saúde da nova geração."


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