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"Poderíamos ter evitado dez anos
de pesadelos", diz escritora sérvia
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"Estou on line novamente, física
e psicologicamente. Nós temos
eletricidade, as linhas telefônicas
estão funcionando, minha caixa
de e-mails está cheia de mensagens com lágrimas de congratulações, de amigos preocupados, de
pessoas que nem conheço e até de
adversários prevendo tempos escuros. Não há polícia para nos
proteger nem lixeiros para limpar
os contêineres usados nas barricadas, a sujeira das ruas, também
não sabemos se teremos pão depois de tantos dias de greve."
Assim começava a folha de diário que a escritora e roteirista de
cinema sérvia Jasmina Tesanovic,
46, escreveu anteontem em Belgrado.
Durante os bombardeios da
Otan à capital iugoslava, em 99,
Jasmina manteve um diário em
que relatava o que acontecia nas
ruas e como o conflito nos Bálcãs
alterava o dia-a-dia da população.
Ao final do conflito, Jasmina recolheu os textos e lançou-os em livro ("A War of My Own", traduzido para o português pela editora
Temas e Debates, de Lisboa).
Desde então, Jasmina escreve
diariamente sobre a vida em Belgrado e se corresponde virtualmente com Nuha al Radi, uma
amiga iraquiana que vive exilada
no Líbano. As cartas têm tom pessoal, mas Jasmina as torna disponíveis na Internet. A correspondência de ambas também vai virar livro -"The Globalization of
Evil" (a globalização da maldade).
"Nós temos muito em comum.
Ela é iraquiana e muçulmana e eu
sou sérvia e descrente. Mas nós
duas vivemos em países que sofreram sanções por causa de ditadores e enfrentamos dificuldades
ao lidar com nossos filhos, famílias e sociedade", disse, em entrevista por e-mail à Folha.
Sobre os acontecimentos em
Belgrado nas últimas semanas,
Jasmina comenta: "Parece-me
que, em poucos dias, estamos ganhando muita energia, medo e
uma impressão de que não há volta. Mas, infelizmente, acho que
ainda vou me sentir uma idiota
política por algum tempo, por termos sido privados de informação,
por termos sido impedidos de
conseguir vistos, de viajar."
A escritora conta que, desde os
dias que antecederam a eleição
presidencial, em 24 de setembro,
o clima das ruas de Belgrado era
uma mistura de excitação e medo.
"A temperatura estava agradável,
as pessoas se reuniam nas praças,
houve concertos de rock a céu
aberto, parecia a excitação do fim
da Guerra de Kosovo", disse.
"Senti que Belgrado é muito pequena para reunir todas aquelas
pessoas, percebi que a temperatura dos termômetros de rua subia
quanto mais pessoas se aglomeravam nas praças. É estranho perceber como as pessoas dominam a
natureza e a injustiça."
Jasmina conta também que havia uma espécie de impulso coletivo, todos "queriam gastar", principalmente com comida, pois
pensavam numa festa ou até na
possível volta das privações.
"As pessoas iam aos supermercados e compravam o que havia,
carne de porco, vinho, doces. Parecia que nos preparávamos para
uma ceia de Natal", conta.
Jasmina fala sobre o pai nas cartas. "Ele é um ex-comunista e votou na oposição, com medo. Telefonou-me para dizer que estava
temeroso de abrir a porta para o
carteiro. Acho que ele está no
mesmo "bunker" psicológico em
que Milosevic deve estar se sentindo agora."
Jasmina está filmando as manifestações e o movimento nas ruas
da cidade. As imagens serão usadas num documentário. Em 99,
"A War of My Own" inspirou um
filme, distribuído pela TV alemã e
exibido no Festival de Cannes.
Jasmina se diz feliz, mas não
afirma que consegue esquecer o
que se passou nos Bálcãs nos últimos anos. "Tudo isso poderia ter
acontecido em 1991, sem nenhuma revolução, e poderíamos ter
evitado cinco guerras, dez anos de
pesadelos e milhares de vítimas
inocentes."
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