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REAÇÃO MUÇULMANA
Irã classifica ataques como "inaceitáveis"; Iraque declara ter sido "agressão traiçoeira"
Países islâmicos temem revoltas e adotam cautela
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
Poucos países islâmicos emitiram declarações sobre os ataques
de ontem ao Afeganistão. O Irã
declarou que os bombardeios
eram "inaceitáveis" e matariam
afegãos inocentes. Seu vizinho
Iraque, alvo frequente de aviões
dos Estados Unidos e do Reino
Unido, descreveu o bombardeio
como uma "agressão traiçoeira".
A Turquia, membro da Otan
(aliança militar ocidental, liderada pelos EUA) e primeiro país
muçulmano que pode vir a integrar a União Européia, manifestou seu apoio total à ação.
O Líbano disse que os ataques
demonstrariam que os EUA têm
uma "definição própria" de terrorismo. "A América é que define o
terrorismo... de acordo com sua
política e seus interesses? É uma
questão perigosa", afirmou Ghazi
al Aridi, ministro da Informação.
Beirute condenou os ataques a
Nova York e aos arredores de
Washington, mas disse que a
"guerra contra o terrorismo" deveria priorizar o fim da ocupação
israelense de territórios árabes.
Temendo uma reação violenta,
os EUA fecharam todas as suas
missões diplomáticas na Arábia
Saudita por tempo indeterminado. Em comunicado, o governo
pediu que diplomatas não enviassem seus filhos à escola hoje e restringissem seu movimento a "viagens estritamente essenciais".
A decisão veio um dia depois
que um norte-americano foi morto na explosão de uma bomba na
cidade de Khobar, onde um atentado suicida matou 19 militares
norte-americanos cinco anos
atrás. Muitos muçulmanos condenam a presença militar dos
EUA no golfo Pérsico e sobretudo
na Arábia Saudita.
O grupo extremista indonésio
Frente de Defensores Islâmicos
ameaçou "caçar" estrangeiros se
Jacarta não romper relações diplomáticas com os EUA, que
exortaram seus cidadãos a se prepararem para deixar o país.
Chanceleres da Organização da
Conferência Islâmica, que reúne
56 países, vão se reunir no Qatar
na próxima quarta-feira. Na ocasião, devem elaborar uma reação
conjunta sobre os ataques.
"Expresso minha preocupação
com essa vasta operação no Afeganistão e com esse ataque que
pode resultar na perda de vida entre civis", afirmou o porta-voz do
Ministério das Relações Exteriores do Irã, Hamid Reza Asefi. "Isso é inaceitável."
Para ele, a operação foi realizada
"sem levar em conta a opinião pública mundial, especialmente a
opinião no mundo islâmico".
O Irã teme que um conflito entre os EUA e o Taleban, grupo extremista que Teerã critica principalmente devido à perseguição a
xiitas (minoria no Afeganistão e
maioria no Irã), invada sua fronteira oriental. Teerã ordenou que
suas Forças Armadas fechassem a
fronteira com o Afeganistão (900
km) para impedir um fluxo ainda
maior de refugiados -já há cerca
de 2 milhões de afegãos no país.
O Irã havia dito que abateria
qualquer avião dos EUA que invadisse seu espaço aéreo.
A reação dos muçulmanos vai
depender da dimensão da operação militar norte-americana e pode incluir revoltas populares contra governos do Oriente Médio,
segundo analistas ouvidos pela
Folha. Os Estados pró-EUA no
golfo Pérsico não são países onde
as pessoas vão às ruas para protestar -as manifestações são
quase sempre proibidas. Dessa
forma, a insatisfação geral em relação ao alinhamento norte-americano com Israel aparece pouco.
Em entrevista apresentada pela
rede de TV árabe Al Jazeera ontem, Osama bin Laden disse que
"a América nunca mais sonhará e
não viverá em paz até que a paz
reine na Palestina".
Para o analista político Mohamad Mahr, "além da possibilidade de uma onda de ataques de
grupos extremistas sobretudo paquistaneses, existe o temor de revoltas populares para derrubar
governos considerados traidores". Segundo Mahr, "as imagens
vão dar o tom dessa guerra mais
que nunca, pois a promessa de
um ataque cirúrgico não é levada
a sério nos países islâmicos".
Na opinião de John Anthony,
presidente do Conselho Nacional
de Relações Árabe-Americanas,
com base em Washington, os
EUA podem perder credibilidade
entre os países do golfo Pérsico, e
governos da região podem enfrentar uma impopularidade
crescente. Para ele, os ataques podem gerar uma situação embaraçosa para as autoridades e eventualmente provocar levantes.
"O Taleban sozinho é responsável pelos ataques contra os Estados Unidos? Há provas disso?",
disse Manal, 22, estudante na
Universidade Americana do Cairo (capital do Egito).
"Qualquer ataque deveria vir
por meio do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas a
América decidiu sozinha atacar
os muçulmanos. Isso precisa ser
totalmente refutado", afirmou o
barenita Radwan.
"Resistência islâmica"
A Arábia Saudita e o Egito aparecem como dois países-chave na
coalizão internacional antiterror,
embora tenham dito que a cooperação deve "desvincular terrorismo de resistência islâmica contra
a ocupação israelense".
Nos dias seguintes aos atentados na Costa Leste, Israel invadiu
diversas cidades palestinas, como
Jericó, Jenin e Ramallah. Diversos
grupos extremistas islâmicos surgiram em meio ao conflito israelo-árabe ou em resposta à presença de tropas estrangeiras no golfo
Pérsico, convocadas após a invasão do Kuait (1990). Outros combatem o regime de seu próprio
país -caso do Egito.
Apesar de declarar publicamente seu apoio aos Estados Unidos e
à sua coalizão antiterrorista, a
Arábia Saudita, principal aliado
do país no golfo Pérsico, rejeitou
servir como plataforma de lançamento para ataques ao Afeganistão liderados pelos norte-americanos, mesmo após a intervenção
de Donald Rumsfeld.
O país alegou que a Turquia e as
ex-repúblicas soviéticas tinham
melhores chances de satisfazer as
necessidades logísticas dos EUA,
mas o fato de ser o berço do islamismo, abrigando suas cidades
mais sagradas -Meca e Medina-, desempenhou um papel
fundamental na decisão. Sua política externa é observada por muçulmanos do mundo inteiro.
A Arábia Saudita participou ativamente da coalizão anti-Iraque
na Guerra do Golfo (1991), servindo de base para Exércitos estrangeiros. Mas, na ocasião, o Iraque
representava um perigo direto
aos sauditas, pois Bagdá ameaçava invadir o vizinho e desestabilizar o golfo Pérsico.
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