São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2001

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ANÁLISE

Para escritor, Taleban deve recuar para as montanhas, esperar e atacar o novo regime

Aliança do Norte é alternativa risível

TARIQ ALI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas últimas três semanas, os governantes militares do Paquistão tentaram convencer o Taleban a entregar Osama bin Laden e evitar a catástrofe. Eles fracassaram. Já que Osama é genro de Mullah Omar, líder do Taleban, isso não surpreende.
A questão mais interessante é determinar se o Paquistão, depois de retirar seus oficiais do Afeganistão, conseguiu dividir o Taleban e fazer com que as seções do movimento que dependem de seu patrocínio se retirem. Seria um dos objetivos cruciais do regime militar para manter sua influência junto a um futuro governo de coalizão em Cabul.
As relações entre o Paquistão e o Taleban vinham sendo tensas. Em um esforço por cimentar a amizade, o Paquistão enviou um time de futebol, há seis meses, para disputar um amistoso contra o Afeganistão. Quando os times entraram em campo no estádio de Cabul, as forças de segurança afegãs surgiram anunciando que os jogadores paquistaneses vestiam-se de forma "indecente".
Eles usavam calções de futebol, enquanto o time afegão trajava bermudas compridas, abaixo dos joelhos. Talvez o serviço de segurança acreditasse que as coxas frementes dos paquistaneses causassem distúrbios entre os espectadores, todos homens. Quem sabe?
O time paquistanês foi preso, os cabelos dos jogadores foram tosados e eles foram chibateados em público enquanto os espectadores eram forçados a cantar versos do Corão. Essa foi a maneira encontrada por Mullah Omar para fazer um disparo de advertência contra o Exército paquistanês.
O bombardeio do Afeganistão pelos EUA não afeta a força de combate do Taleban. Mesmo assim, o Taleban está cercado e isolado. Sua derrota é inevitável. É improvável que resista mais do que algumas semanas. Parte de suas forças recuará para as montanhas e esperará até que o Ocidente se retire antes de atacar o novo regime que deve ser instalado em Cabul com o octogenário rei Zahir Shah transferido de sua confortável vila em Roma para um cenário menos salubre entre os escombros de Cabul.
A Aliança do Norte é só marginalmente menos religiosa do que o Taleban. Seu histórico quanto a praticamente tudo o mais é igualmente deprimente. A idéia de que poderiam representar progresso em relação ao Taleban é risível.
Seu primeiro instinto será a vingança contra seus oponentes. Mas a Aliança se enfraqueceu com a deserção de Gulbudin Hekmatyar, no passado o "combatente da liberdade" favorito do Ocidente. Ele decidiu apoiar o Taleban contra os infiéis. Sustentar um novo Estado cliente no Afeganistão não será assunto fácil dadas as rivalidades locais e regionais.
Uma preocupação importante é a possibilidade de que o Taleban se volte contra o Paquistão e devaste suas cidades e o tecido de sua sociedade. Naquela altura, o Ocidente, tendo conquistado sua "vitória", voltará a fechar os olhos, como de hábito.
Quanto ao suposto objetivo dessa operação -a captura de Osama bin Laden-, ele talvez seja mais difícil do que parece. Bin Laden está bem protegido nas remotas montanhas de Pamir, e é bem possível que desapareça. Ainda assim uma vitória será proclamada. O Ocidente confia na memória curta de seus cidadãos.
Mas suponhamos que Bin Laden seja capturado. Como isso ajudará na "guerra contra o terrorismo"? Outros decidirão imitar os atentados nos EUA.
O mais importante é que o foco agora será dirigido ao Oriente Médio. Na Arábia Saudita, uma feroz disputa de facções no seio da família real está em curso. O moribundo rei Fahd e seus assessores diretos deixaram o país em três grandes aviões rumo à Suíça, para evitar um golpe palaciano. Isso deixa o príncipe herdeiro Abdullah no comando e seu rival, o príncipe Sultan, debilitado.
Os especialistas insistem em que o príncipe herdeiro tem ligações estreitas com os religiosos wahhabitas. Mesmo que esse seja o caso, ele terá de enfrentar a fúria das ruas. O mesmo vale para o presidente egípcio Hosni Mubarak. Ele também está preocupado e se manteve distante da aliança liderada pelos países da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan). Se houver erupções nesses dois países, Washington pode se ver forçada a pressionar pela criação de um Estado palestino. É cedo demais para mapear as conseqüências do 11 de setembro.


Tariq Ali é escritor paquistanês, autor de "Sombras da Romãzeira" e "O Livro de Saladino" (ambos lançados no Brasil pela editora Record), entre outros



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