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NO AR
Novo espetáculo tem novo protagonista, Al Jazeera
NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA
George W. Bush e assessores anunciaram, desde os
primeiros dias após os atentados, que esta guerra não seria
como as outras. Não seria um
espetáculo de TV, por exemplo,
como a Guerra do Golfo.
Pelo que se viu no primeiro
ataque ao Afeganistão, porém, o
que não vai faltar é espetáculo. A
CNN entrou desde logo com cenas ao vivo de Cabul. Com imagens bem ruins, noturnas, mas
imagens de guerra não muito
diversas daquelas da Guerra do
Golfo.
A diferença foi o estabelecimento de um novo protagonista
na cobertura mundial, o canal
do Qatar, Al Jazeera. Um protagonista ao qual a CNN se juntou
sem constrangimento. O novo
âncora estrela do canal americano, Aaron Brown, declarou logo
ao assumir a transmissão:
- Nós temos um relacionamento interessante e exclusivo
com o Al Jazeera.
E assim o melhor ou o mais espetacular da CNN -e dos outros canais pelo mundo- foi
gerado do Qatar. A cobertura vinha toda ela sob controle, sincronizada, até os discursos de
Bush e Tony Blair. Mas aí o Al
Jazeera surgiu com o atordoante
outro lado.
A gravação com Bin Laden, de
uniforme e pose de guerrilheiro,
metralhadora ao lado, deixou
Aaron Brown sem fôlego, dizendo ter sido "arrepiante". Feitas
antes do ataque de ontem, mas
depois do dia 11, as imagens foram aparentemente preparadas
para divulgação logo após uma
reação americana.
Entre as frases de Bin Laden,
coisas como "(os EUA) receberam o que fizeram por merecer". Faltou bem pouco para
afirmar que os atentados de Nova York foram obra sua.
O tal "relacionamento interessante e exclusivo" da CNN era o
direito de usar as imagens do Al
Jazeera por seis horas, até serem
liberadas para outras emissoras,
que haviam sido avisadas do
embargo anteontem.
Mas as cenas eram fortes demais para serem tratadas assim
-e as concorrentes diretas da
CNN, Fox News e MSNBC, além
de redes como a ABC não demoraram a jogar Bin Laden no
ar. Do porta-voz da ABC:
- Mostrar essas imagens ao
povo americano pesou mais do
que qualquer interesse comercial que a CNN estivesse tentando tirar desta crise.
As imagens de Bin Laden foram tão teatralmente chocantes
que horas depois o âncora da
CNN ainda se sentia na obrigação de comentar a reação que
haviam provocado e defender o
registro do outro lado.
Não pararam aí as transmissões do Al Jazeera, reproduzidas
na CNN e no resto. Foi ouvido o
vice-ministro da defesa do Taleban, dizendo desafiador que não
iria "contar os segredos". Um
correspondente em Cabul relatou, sempre em árabe, com tradução, como as bombas explodiam perto de onde estava.
E o ministro do exterior do Taleban disse, ao vivo:
- Nós é que somos precisos.
Nós é que derrubamos um dos
aviões deles. Que Deus nos ajude a derrubar outro avião.
A cobertura ligada ao canal do
Qatar se concentrou no meio da
tarde. Depois voltaram a imperar na "guerra de propaganda",
expressão usada na própria TV,
as vozes pró-americanas, de Jacques Chirac a Henry Kissinger.
Mas o estrago já estava feito.
Osama bin Laden conseguiu
se sobrepor, como espetáculo,
até mesmo a George W. Bush
-ele que desta vez se preparou
bem, falou da Casa Branca, cortinas das janelas abertas, num
discurso perfeito, capaz de agradar ao mundo inteiro.
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