|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LEGADO DA REPRESSÃO
Especialistas desenvolvem técnicas para lidar com vítimas de tortura do regime militar de Pinochet
Psicólogos chilenos praticam 'torturologia'
OTÁVIO DIAS
enviado especial a Santiago
As violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura
militar de Augusto Pinochet (1973-90) levaram psiquiatras e psicólogos chilenos a desenvolver uma
nova "ciência": a "torturologia" ou
"torturoterapia".
Os termos se referem às técnicas
para identificar sequelas físicas e
psicológicas de vítimas diretas e
indiretas da repressão, assim como os tratamentos adequados.
Desde os anos 80, essa experiência tem sido documentada por
profissionais de saúde de entidades de direitos humanos.
A Folha visitou a Fundação de
Ajuda Social das Igrejas Cristãs
(Fasic), organização não-governamental situada em Santiago que
auxilia vítimas do regime militar.
Segundo a psiquiatra Eliana
Horvitz, a repressão iniciada após
o golpe de 1973 -e que perdurou
durante grande parte da ditadura- tem consequências até hoje,
oito anos após a democratização.
Entre as violações que deixam
marcas mais profundas estão a
morte ou desaparecimento de familiares, os anos de prisão ou exílio e a tortura.
"Um ex-torturado possui sequelas que exigem um diagnóstico e
um tratamento específicos", diz.
Segundo ela, os médicos que começaram a atender torturados nos
anos 70 não tinham elementos para compreender essas sequelas.
"Buscamos informações sobre
como foram tratadas as vítimas
dos campos de concentração nazistas, mas encontramos muito
pouca literatura", afirmou.
"A necessidade de desenvolvermos a torturologia é um retrocesso
vergonhoso para nossa profissão."
Ela cita problemas derivados da
tortura: medo da morte, dores, ansiedade, mania de perseguição,
baixa auto-estima, depressão, problemas digestivos e cerebrais, instabilidade, entre outros.
Os parentes de ex-torturados
também sentiriam na pele os efeitos da tortura. "Muitas vítimas reproduzem em casa elementos da
tortura", diz. Ela cita tratamentos
prepotentes ou arbitrários, agressões verbais e físicas.
"Atendemos crianças pequenas
que já pertencem à quarta geração
de vítimas da ditadura", diz.
Desaparecidos
No caso de parentes de pessoas
que sumiram persiste, muitos anos
após os desaparecimentos, a expectativa de saber a verdade e localizar os restos mortais dos desaparecidos.
Em 1990, foi criada uma comissão para estabelecer o número oficial de mortos e desaparecidos. Segundo a lista, houve 2.095 execuções e 1.102 desaparecimentos.
Cerca de 1.500 denúncias não foram comprovadas.
A comissão localizou parte dos
restos mortais, em certos casos entregues aos familiares quase 20
anos depois. Mais de mil casos estão sem solução.
Segundo a agência de notícias
"Associated Press", cerca de 50 mil
chilenos foram exilados e milhares
foram torturados.
Para Horvitz, vítimas de violações prejudicam involuntariamente seus descendentes ao tentar
preservá-los dos fatos ocorridos.
"Alguns escondem as indignidades que sofreram. O segredo familiar faz com que os jovens não
compreendam seus pais ou avós."
Jovens que sofrem exposição a
esse conjunto de problemas apresentariam problemas de marginalização ou de comportamento,
maior tendência ao alcoolismo e
ao uso de drogas.
Os órfãos ou vítimas do regime
militar também tenderiam a enfrentar maiores dificuldades econômicas devido à perda do chefe
da família, ao estigma social e às
dificuldades de se impor no mercado de trabalho.
"Muitos se recuperaram e tiveram sucesso. Outros ficaram definitivamente prejudicados", diz a
psiquiatra.
A impunidade potencializaria os
problemas: "Se houvesse justiça,
seria mais fácil superá-los".
Em outubro, cerca de 80 pessoas
foram atendidas pela Fasic, que
conta atualmente com cinco profissionais de saúde. A equipe chegou a ter 25 membros.
²
O jornalista
Otávio Dias viajou a Santiago a
convite da Transbrasil
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|