São Paulo, quarta-feira, 09 de fevereiro de 2011

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Livre, austríaca se ressente de críticas

Natascha Kampusch lança livro com detalhes sobre os oito anos em cativeiro e reclama de suspeita sobre fuga

Em tom amargo, ela diz que passou a ser tratada com gozação e desprezo quando perceberam que "não faria milagres"

GABRIELA MANZINI
DE SÃO PAULO

Há cinco anos, a austríaca Natascha Kampusch causava comoção em todo o mundo por ter conseguido fugir, aos 18, do cativeiro em que era mantida desde os dez.
Em entrevista à Folha via e-mail, Kampusch, 22, conta que não demorou para que a "adulação histérica" se tornasse "gozação e desprezo".
No livro sobre o pesadelo, "3.096 Dias", que chega neste mês ao Brasil, ela já revela que suas agressões e angústia têm muitos alvos além do cativeiro e do seu algoz.
"Fui rotulada de ingrata, ouvi que tentava ganhar dinheiro com a situação. [...] Só amam a vítima quando se sentem superiores a ela."

 


Folha- Para você, qual foi o pior momento no cativeiro?
Natascha Kampusch
- Foi ter sido enrolada num cobertor, atirada em uma cela escura e deixada sozinha com as piores fantasias sobre o que poderia acontecer. Tudo isso aos dez anos de idade.

Você chegou a pensar que seria morta? Quando?
Quando ficava deitada por horas ou dias naquele buraco negro, eu tinha a certeza de que estava fadada a ser morta.

No cativeiro, você sabia que seus pais a procuravam?
Pareceria lógico que pais procurassem pelo filho desaparecido. Mas [o sequestrador] Priklopil mentia pra mim e me dizia que os meus pais não pagariam o resgate porque não me amavam.

Por que você demorou tantos anos para escapar?
Nos primeiros anos, eu estava sempre trancada ou sob constante vigilância. Depois, a resignação e a depressão roubaram minhas forças para resistir. As agressões e a fome me consumiam. Se não tivesse agido de forma espontânea, eu nunca teria fugido.

Como foi a fuga?
O caminho curto que levava ao portão do jardim tem uns 70 metros. Corri para me salvar, e durou uma eternidade. O tempo todo eu esperei sentir o olhar pungente do meu sequestrador na nuca, até que cheguei à rua principal, virei à esquerda e então saí do seu campo de visão.

Como está a sua readaptação à liberdade?
A lembrança da minha história me persegue em cada esquina. As pessoas me tratam com certa cautela.

E você é reconhecida nas ruas? Isso a incomoda?
Hoje melhorou. No começo, havia uma adulação histérica. Logo depois, quando viram que eu não conseguia fazer milagres, a gozação e o desprezo tomaram conta.

O suicídio de Priklopil foi um alívio ou faltou a punição?
O suicídio já foi a sua punição. E o suicídio de Priklopil foi muito esperado. Fiquei abalada, mas não surpresa.

Parte da mídia chama Priklopil de "monstro sexual", e isso parece irritá-la. Por quê?
O que é um "monstro sexual"? É o [premiê da Itália, Silvio] Berlusconi, que teve muitas mulheres, ou é um homem tímido e solitário que supera seu medo e abusa de vítimas frágeis? Priklopil era um homem inseguro.

Como você define Priklopil?
Era um animal ferido que passou a vida com o nariz no chão à procura de uma direção, perigoso por causa da dor que a solidão lhe inflige -coisa que ele só confirmou, com seus atos estúpidos.

Desde a fuga, você já voltou à casa que serviu de cativeiro?
Não, isso nunca esteve nem está em discussão. Estou entre doá-la para a caridade ou destruí-la.

Depois da fuga, você pediu que a imprensa não a incomodasse. O que mudou?
Ninguém me deu ouvidos. Sem conseguir acesso a mim, a mídia inventou as suas histórias.

Você acha que algum dia irá se livrar do assédio?
A grama cresce devagar, mas sempre.

Como é seu relacionamento com sua mãe? E com seu pai?
Construtivamente distantes. Minha mãe perdeu uma menina de dez anos que nunca mais vai voltar.

"3.096 DIAS"

AUTORA Natascha Kampusch
TRADUÇÃO Ana Resende
EDITORA Record
PÁGINAS 225
QUANTO R$ 29,90

Tradução de CAROLINA VILA-NOVA e GUSTAVO ROTH


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