São Paulo, Terça-feira, 09 de Fevereiro de 1999
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SANGUE CONTAMINADO
Laurent Fabius e dois ex-ministros são acusados pela contaminação de 4.000 pessoas com o vírus HIV
Aids leva ex-premiê francês à Justiça

MARIANA SGARIONI
de Paris

O ex-premiê socialista francês Laurent Fabius e dois de seus ministros serão julgados a partir de hoje por homicídio involuntário, em Paris. Eles são acusados de responsabilidade pela circulação de estoques de sangue contaminado pelo vírus da Aids no início da década de 80, que contagiaram milhares de pessoas com a doença.
Esse é o primeiro processo em todo o mundo que responsabiliza dirigentes políticos pela disseminação da Aids. Acusados pela morte de 600 pessoas e de cerca de 4.000 contaminações por transfusão de sangue, os três ex-ministros sentarão no banco dos réus da Corte de Justiça da República, uma instituição especial criada em 1993 para julgar políticos.
A ex-ministra das Relações Sociais e Solidariedade Georgina Dufoix, 55, e o ex-ministro da Saúde Edmond Hervé, 56, são acusados de permitirem que estoques de sangue contaminado circulassem.
O ex-premiê Laurent Fabius, 52, que governou o país entre 1984 e 1986, foi listado como réu por ter demorado para autorizar os testes de detecção no sangue doado.
O escândalo do sangue contaminado remonta aos anos de 1984 e 1985, quando o mundo inteiro começava a tomar medidas preventivas contra uma nova doença mortal que aparecia: a Aids.
Na época, milhares de pessoas na França foram contagiadas por transfusão de sangue, já que produtos sanguíneos contaminados demoraram a serem recolhidos.
O Estado francês reconheceu sua responsabilidade civil no caso e indenizou 1.325 hemofílicos e 2.311 não-hemofílicos contaminados.
Os três ex-governantes rejeitam sua responsabilidade penal, afirmando que não havia conhecimento científico suficiente na época para que eles tomassem uma decisão correta e rápida. Se condenados, eles poderão pegar de três a cinco anos de prisão.
O processo, previsto para durar cerca de três semanas, pode trazer sérias consequências ao cenário político da França, uma vez que Laurent Fabius preside a Assembléia Nacional, sendo uma influente personalidade do Partido Socialista -o mesmo do atual premiê francês, Lionel Jospin.
"Esperamos que esse processo traga à tona a disfunção do sistema político-administrativo francês", afirmou o pesquisador Luc Montagnier, um dos descobridores do vírus da Aids.
Segundo Montagnier, a Aids, na época, afetava poucas pessoas, por isso não interessava aos governantes. "A principal questão era a de saber quem iria financiar os testes no sangue doado. Foram perdidas algumas semanas em razão dessa negociação financeira", disse.


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