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Para russo, conflito tende a contaminar Ásia Central
IGOR GIELOW
COORDENADOR DA AGÊNCIA FOLHA
O transbordamento do conflito
afegão para outros países da Ásia
Central e um maior envolvimento
russo, desenvolvimentos temerários da crise na região, são extremamente prováveis.
A opinião, dominante hoje nos
meios militares russos, é expressa
também por Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias de Moscou, um dos principais institutos
independentes de pesquisa estratégica no país.
Em entrevista à Agência Folha,
por telefone, Pukhov também
analisou a postura do governo de
Vladimir Putin na crise EUA-Taleban. Leia trechos a seguir.
Agência Folha - Qual é o risco, em
termos de estabilidade regional,
dos ataques norte-americanos?
Ruslan Pukhov - O conflito vai se
espalhar, isso é quase inevitável.
Os talebans não têm como enfrentar mísseis, mas são ótimos
quando se trata de armas leves,
como fuzis e morteiros.
É natural que eles transfiram
seu potencial de insurreição para
vizinhos, como Tadjiquistão e,
principalmente, Uzbequistão. Os
últimos números disponíveis para a inteligência militar russa
mostram que um terço dos uzbeques é favorável a algum fundamentalismo islâmico.
Agência Folha - Como o governo
uzbeque, que dá apoio dúbio aos
EUA, vai enfrentar o problema?
Pukhov - Bem, eles sempre fizeram questão de se isolar de Moscou do ponto de vista militar. Não
temos tropas lá e não sabemos sobre suas reais capacidades.
O próprio Uzbequistão enfrentou atos terroristas no ano passado. Os talebans podem não tomar
Tashkent, mas podem controlar
grandes porções de território entre o Uzbequistão e o Tadjiquistão
com apoio local. E isso seria difícil
para o governo uzbeque.
Agência Folha - A Rússia poderia
intervir?
Pukhov - Fatalmente irá, se houver risco institucional. Uma coisa
é o Afeganistão, outra é território
que os militares consideram como antiga propriedade nossa. Já
temos várias divisões no Tadjiquistão, e é fácil transferir mais
para a região.
Agência Folha - Haveria consentimento do Ocidente?
Pukhov - Creio que sim. Velhas
agendas foram enterradas com a
nova realidade.
Agência Folha - O sr. quer dizer
que a proximidade entre Putin e os
aliados ocidentais pode lhe garantir uma carta branca na região?
Pukhov - Carta branca é um termo muito forte. Há vários componentes estratégicos, como os
oleodutos da região, a considerar.
Mas haveria bom senso.
Agência Folha - Bom senso no
sentido de deixar a Rússia agir? Isso explica a posição de Putin, de
apoio explícito aos EUA?
Pukhov - Sim. No começo do
ano estávamos com as coisas confusas, com o escudo antimísseis
nos lembrando da Guerra Fria.
Mas agora tudo foi enterrado, tudo é agenda do século 20. Isso tudo irá facilitar inclusive o alargamento da Otan a leste.
Agência Folha - Incluindo os países bálticos? E uma associação com
a Rússia?
Pukhov - Sim, quanto aos bálticos. Já a entrada na Otan é um delírio, hoje. Vejo parcerias futuras.
Agência Folha - A crise do terror
acabou sendo um bom negócio, estrategicamente, para a Rússia?
Pukhov - É inevitável lembrar
que agora tudo aquilo contra o
que vínhamos alertando está no
topo da agenda. Houve excessos
reportados na Tchetchênia, mas
ninguém discute agora que há um
fomento ao terror naquela região.
Agência Folha - Isso não acaba
sendo hipócrita? Usar o terror como justificativa para mais violência?
Pukhov - Sim, é um aspecto. Mas
também é importante lembrar
que o terror agora não ataca mais
apenas nos rincões.
Agência Folha - Qual o papel russo, até agora, na crise?
Pukhov - Somos amigos da
Aliança do Norte há dez anos. O
que sabemos, sem confirmação
oficial, é que o fluxo de armas russas cresceu para os rebeldes. As
informações mais recentes falam
em US$ 40 milhões em tanques
aposentados, como os T-55, sendo fornecidos para os rebeldes.
Boatos falam até que os EUA estariam financiando a compra, o que
é impossível de saber agora.
Agência Folha - Mas há algum
apoio de tropas?
Pukhov - Nada até agora, mas, se
esses tanques foram vendidos,
com certeza equipes de apoio para operá-los foram junto no pacote. A Aliança do Norte tem pouco
pessoal, e eles não têm treinamento para operar um tanque.
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