São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2001

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Para russo, conflito tende a contaminar Ásia Central

IGOR GIELOW
COORDENADOR DA AGÊNCIA FOLHA

O transbordamento do conflito afegão para outros países da Ásia Central e um maior envolvimento russo, desenvolvimentos temerários da crise na região, são extremamente prováveis.
A opinião, dominante hoje nos meios militares russos, é expressa também por Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias de Moscou, um dos principais institutos independentes de pesquisa estratégica no país.
Em entrevista à Agência Folha, por telefone, Pukhov também analisou a postura do governo de Vladimir Putin na crise EUA-Taleban. Leia trechos a seguir.

Agência Folha - Qual é o risco, em termos de estabilidade regional, dos ataques norte-americanos?
Ruslan Pukhov -
O conflito vai se espalhar, isso é quase inevitável. Os talebans não têm como enfrentar mísseis, mas são ótimos quando se trata de armas leves, como fuzis e morteiros.
É natural que eles transfiram seu potencial de insurreição para vizinhos, como Tadjiquistão e, principalmente, Uzbequistão. Os últimos números disponíveis para a inteligência militar russa mostram que um terço dos uzbeques é favorável a algum fundamentalismo islâmico.

Agência Folha - Como o governo uzbeque, que dá apoio dúbio aos EUA, vai enfrentar o problema?
Pukhov -
Bem, eles sempre fizeram questão de se isolar de Moscou do ponto de vista militar. Não temos tropas lá e não sabemos sobre suas reais capacidades.
O próprio Uzbequistão enfrentou atos terroristas no ano passado. Os talebans podem não tomar Tashkent, mas podem controlar grandes porções de território entre o Uzbequistão e o Tadjiquistão com apoio local. E isso seria difícil para o governo uzbeque.

Agência Folha - A Rússia poderia intervir?
Pukhov -
Fatalmente irá, se houver risco institucional. Uma coisa é o Afeganistão, outra é território que os militares consideram como antiga propriedade nossa. Já temos várias divisões no Tadjiquistão, e é fácil transferir mais para a região.

Agência Folha - Haveria consentimento do Ocidente?
Pukhov -
Creio que sim. Velhas agendas foram enterradas com a nova realidade.

Agência Folha - O sr. quer dizer que a proximidade entre Putin e os aliados ocidentais pode lhe garantir uma carta branca na região?
Pukhov -
Carta branca é um termo muito forte. Há vários componentes estratégicos, como os oleodutos da região, a considerar. Mas haveria bom senso.

Agência Folha - Bom senso no sentido de deixar a Rússia agir? Isso explica a posição de Putin, de apoio explícito aos EUA?
Pukhov -
Sim. No começo do ano estávamos com as coisas confusas, com o escudo antimísseis nos lembrando da Guerra Fria. Mas agora tudo foi enterrado, tudo é agenda do século 20. Isso tudo irá facilitar inclusive o alargamento da Otan a leste.

Agência Folha - Incluindo os países bálticos? E uma associação com a Rússia?
Pukhov -
Sim, quanto aos bálticos. Já a entrada na Otan é um delírio, hoje. Vejo parcerias futuras.

Agência Folha - A crise do terror acabou sendo um bom negócio, estrategicamente, para a Rússia?
Pukhov -
É inevitável lembrar que agora tudo aquilo contra o que vínhamos alertando está no topo da agenda. Houve excessos reportados na Tchetchênia, mas ninguém discute agora que há um fomento ao terror naquela região.

Agência Folha - Isso não acaba sendo hipócrita? Usar o terror como justificativa para mais violência?
Pukhov -
Sim, é um aspecto. Mas também é importante lembrar que o terror agora não ataca mais apenas nos rincões.

Agência Folha - Qual o papel russo, até agora, na crise?
Pukhov -
Somos amigos da Aliança do Norte há dez anos. O que sabemos, sem confirmação oficial, é que o fluxo de armas russas cresceu para os rebeldes. As informações mais recentes falam em US$ 40 milhões em tanques aposentados, como os T-55, sendo fornecidos para os rebeldes. Boatos falam até que os EUA estariam financiando a compra, o que é impossível de saber agora.

Agência Folha - Mas há algum apoio de tropas?
Pukhov -
Nada até agora, mas, se esses tanques foram vendidos, com certeza equipes de apoio para operá-los foram junto no pacote. A Aliança do Norte tem pouco pessoal, e eles não têm treinamento para operar um tanque.



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