São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Moradores de Cabul relatam noite de terror

SAYED SALAHUDIN
DA "REUTERS", EM CABUL

Os assustados habitantes da capital afegã saíram ontem às ruas com olheiras, depois de uma noite tentando em vão esconder-se de um inimigo invisível.
Apesar de já estarem "vacinados" contra conflitos, depois de conviver com guerras há duas décadas, a noite de domingo foi das mais assustadoras de suas vidas.
Devido ao toque de recolher rigidamente implementado pelo grupo extremista Taleban, os moradores não tiveram para onde fugir nem onde se esconder quando EUA e Reino Unido lançaram os primeiros ataques à cidade.
"Não pudemos dormir a noite toda. Foi a pior noite em muitos anos", disse o porteiro do principal mercado de Cabul.
Os ataques foram a resposta já prevista dos EUA aos atentados em Nova York e no Pentágono, que deixaram cerca de 5.000 mortos e desaparecidos. Os EUA atribuem a responsabilidade pelos ataques ao terrorista saudita Osama bin Laden, que estaria no Afeganistão protegido pelo Taleban.
No primeiro ataque, caças americanos sobrevoaram a cidade pouco após o toque de recolher, às 21h. Mísseis Tomahawk lançados de navios e submarinos a centenas de quilômetros ao sul rasgaram o céu, atingindo alvos em volta da capital.
Combatentes do Taleban armados com baterias antiaéreas da era soviética montaram uma resistência fraca. Alguns combatentes dispararam tiros de fuzis AK-47.
"Não queremos que essa situação continue. Por favor, digam aos americanos para parar", disse um comerciante. "Ficamos totalmente apavorados. Meus filhos não conseguiram dormir. Foi uma noite chocante", contou outro homem. "Só Deus sabe o que aconteceu. Estou indo embora. Prefiro dormir ao relento a passar mais uma noite na cidade."
Ainda era cedo para contabilizar os prejuízos e as baixas. "Eu me feri em Karte Nau (à leste da cidade)", contou um combatente do Taleban ferido nas mãos e em uma perna. "Era uma posição militar. Perdi quatro amigos."

"Guerra santa"
Em várias mesquitas foram lançados chamados por uma "guerra santa" contra os EUA. "Chegou a hora da jihad. Precisamos sacrificar-nos por nosso país e pelo islã", versava o sermão proferido em mesquita de Cabul.
Os Estados Unidos prometeram continuar com os ataques até que tenham "neutralizado" Bin Laden e sua rede terrorista, a Al Qaeda (a base), que opera no Afeganistão pelo menos desde 1996.
Crianças e idosos se aglomeravam em ônibus e caminhões, tentando chegar ao vizinho Paquistão ou a áreas rurais do próprio país, longe dos alvos visados pelos EUA.
Alguns carregavam artigos domésticos. A maioria ficava olhando ao redor, amedrontada. Muitos culpavam os EUA por obrigá-los a sair da cidade com o inverno se aproximando.
"Estamos partindo porque já não há segurança aqui -graças à América", disse um deficiente físico idoso numa estação de ônibus, ao amanhecer. "Veja essa criancinha. Você acha que ela aguenta ouvir as explosões dos "presentes" dos americanos?", afirmou ele.
"Diga aos americanos que já enfrentamos sofrimento, destruição e mortes suficientes com as guerras passadas e que eles deveriam nos poupar", disse outro.
Outras pessoas, porém, começaram o dia como se fosse outro qualquer, abrindo suas lojas e indo ao trabalho. "Não nos sentimos seguros, mas não temos para onde ir", explicou um homem a caminho do trabalho.



Texto Anterior: Afeganistão: Taleban diz que morreram de 6 a 25 na primeira noite
Próximo Texto: Jornalista refém do Taleban é solta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.