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Especialista teme ataque dos EUA
a outros países
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
A economista política Sara Roy,
do Centro de Estudos do Oriente
Médio da Universidade Harvard,
teme que o bombardeio ao Afeganistão sirva de pretexto para que
os EUA ataquem países como Iraque, Síria, Líbano, Irã e Líbia alegando perseguir terroristas.
Roy, que falou à Folha ontem,
por telefone, lembrou ainda que
os EUA já apoiaram o Taleban.
"Há alguns anos, nós os chamávamos de defensores da liberdade, e
não de terroristas."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Como a sra. avalia os ataques ao Afeganistão?
Sara Roy - Foi um erro muito
grave. Vai gerar reações no mundo árabe e muçulmano, em uma
região em que a política externa
dos EUA tem um papel prejudicial. Isso será percebido como um
ataque ao mundo árabe e ao islã.
Folha - Qual é a solução correta?
Roy - Os EUA deveriam se engajar em uma coalizão internacional
para trazer os autores dos atentados à Justiça, por canais variados,
legais, financeiros, institucionais,
políticos. Mas não bombardeando outro país e, claramente, permitindo que civis sejam feridos.
Folha - Os EUA estão lançando
bombas e comida, tentando dizer
que os ataques não são contra o povo, mas contra o governo. É possível separar isso?
Roy - Acho que não. O Taleban é
um regime horrível, mas sinto
que os EUA precisam achar um
alvo. É muito mais difícil ir atrás
de pessoas que estão se escondendo e conhecem muito bem o terreno, então o governo americano
estendeu a definição de terrorismo aos países que escondem essas pessoas. O que é incrível, já
que fomos instrumento para
apoiar o Taleban e dar-lhe poder.
Quando essas pessoas lutavam
contra a União Soviética, há alguns anos, nós os chamávamos
de defensores da liberdade, e não
de terroristas. O lançamento de
comida é uma tentativa de mostrar que seu alvo não são os muçulmanos, mas o governo. Isso é
um exercício de nonsense e estupidez. Jogar comida para pessoas
que você está bombardeando é
como colocar um band-aid numa
grande ferida que você abriu.
Folha - Que dimensões o conflito
pode atingir e quais serão as consequências para a estabilidade no
Oriente Médio?
Roy - Não diria que será a Terceira Guerra Mundial, mas haverá
um crescimento da animosidade
contra os EUA. Meu medo é que
os EUA estendam os ataques contra o terrorismo a outros países.
Isso seria uma insanidade absoluta. Claro que o Iraque é o principal alvo, o Líbano, a Síria e o Irã
poderiam ser alvos, a Líbia, o Sudão... Os EUA podem usar esse
pretexto para estender o conflito a
países do Oriente Médio, e isso seria extremamente perigoso.
Folha - A sra. vê o risco de uma
onda terrorista no mundo?
Roy - Esse é um problema que
existe e pode crescer. Mas quero
enfatizar que a resposta militar
não é a melhor. A melhor forma é
atacar as causas, a pobreza mundial, repensar as nossas relações
no Oriente Médio. Temos de repensar nossa política contra o Iraque, onde 5.000 mil crianças morrem por mês como resultado das
ações militares dos EUA, quase o
mesmo número de vítimas das
ações de setembro.
Folha - Quais as consequências
para a questão palestina?
Roy - A longo prazo, não irá mudar. A dinâmica política fundamental dos EUA na questão permanecerá inalterada. A curto prazo, pode haver pequenas mudanças, com os EUA tentando formar
uma coalizão com vários países
árabes -o que é difícil, já que o
principal aliado dos EUA é Israel.
Isso é o que tem levado a uma pequena discussão entre [o primeiro-ministro de Israel, Ariel" Sharon e [o presidente dos EUA,
George W." Bush, que tem dito
que apoiará um Estado palestino.
Mas a questão não é se os americanos apoiariam um Estado palestino, mas que tipo de Estado
eles apoiariam e em que termos.
Folha - Países árabes pressionarão por uma situação melhor para
os palestinos, em uma espécie de
troca?
Roy - É difícil saber. Em muitos
desses países, o sentimento das
populações é diferente do sentimento dos governos, como no
Kuait, na Arábia Saudita ou nos
Emirados Árabes. Os governos fazem a política que têm de fazer, a
política do poder. Os sentimentos
dos povos são de forte apoio aos
palestinos, mas muitos governos
não querem um Estado palestino
na região, porque temem que ele
se torne a primeira democracia
árabe do Oriente Médio, o que seria assustador para a região, cheia
de regimes autoritários.
Mesmo assim, os países árabes
podem pressionar os EUA a tentar algum tipo de acomodação entre Israel e os palestinos. Se essa
guerra insana que os EUA começaram for mantida por um período longo, inflamando paixões na
região, toda a dinâmica do Oriente Médio pode mudar. Só não se
altera o fato de que, se os EUA não
mudarem sua política, isso pode
levar a alguma explosão na área.
Folha - O que é preciso mudar?
Roy - Isso requer humildade, repensar a nossa política externa: as
sanções contra o Iraque, o apoio a
Estados repressivos, reacionários
e fundamentalistas. Temos de repensar a questão palestina, nosso
comportamento unilateral -é a
primeira vez que só um país se
torna tão poderoso-, nossa relação com o Oriente Médio e os países em desenvolvimento na América Latina, Ásia e África.
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