UOL


São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMENTÁRIO

Política se abre à lógica das celebridades

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Arnold Schwarzenegger entra na política por uma porta inabitual. A porta das celebridades. Há nisso um curioso paradoxo, já que a celebridade é, por definição, uma pessoa de quem não se espera conteúdos sociais ou modelagens administrativas.
A lógica das celebridades é mais tosca. Elas devem produzir pequenos fatos que abasteçam suas próprias imagens e fazê-los circular no mercado do showbiz, da comadrice e das fofocas.
Não precisam necessariamente pensar. Nem entender de finanças públicas, ter idéias sólidas sobre políticas sociais ou situar-se em algum ponto do espectro ideológico. Foi assim com o finado Elvis, é assim com Britney Spears.
Em 1966, um outro ator, Ronald Reagan, foi eleito governador da Califórnia. Mas o paralelo entre ele e Schwarzenegger é imperfeito. Bem menos célebre, Reagan já era a seu modo um ativista conservador. Seguiu a mesma trilha de Walt Disney ou Elia Kazan ao depor voluntariamente na comissão do senador Joseph McCarthy, que caçava na sociedade suspeitos de simpatias pelo comunismo.
Reagan fora antes líder sindical entre os atores, estimulado por sua primeira mulher, a atriz Jane Wyman. E deu uma guinada para a direita, aconselhado pela também atriz Nancy Davis, sua segunda mulher.
Assim, não foi por seu passado em Hollywood que, ao se eleger presidente dos Estados Unidos, em 1980, ele acelerou a corrida armamentista e colocou a então União Soviética na rota da implosão. O então presidente personificava algo mais complexo: uma coalizão formada em torno do Partido Republicano, que poria fim à Guerra Fria e asseguraria a supremacia norte-americana.
Schwarzenegger traz um perfil bem mais modesto. Sua imagem pública se confunde amplamente com a de seu principal personagem, o Exterminador, que é mais músculos do que cérebro. Numa sociedade em que academias de musculação pesam mais que saraus literários na constituição do hedonismo, é óbvio que seus admiradores não se preocupem em saber se ele possui uma biblioteca particular ou os gêneros de livros que nela predominam.
Na recente história norte-americana, a política incorporou a lógica das celebridades no início dos anos 60, com John Kennedy. Bill Clinton tangenciaria o mesmo caminho. Mas foram fenômenos isolados. A demanda formulada na direção dos políticos mistura linha justa e consistência. Os factóides servem apenas de enfeite, como a cereja em cima do bolo.
Schwarzenegger candidatou-se sem carregar a responsabilidade pela crise de energia e pelo déficit fiscal na Califórnia. A indústria do entretenimento produz discursos alheios aos problemas gerados pelo establishment local. De certo modo, o eleitor californiano votou no escuro. Pode até ter acertado. Mas terá sido sem querer.


Texto Anterior: Eleição de ator mostra vida real a reboque da ficção
Próximo Texto: Colômbia: Atentado terrorista em Bogotá mata 6
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.