São Paulo, sexta, 9 de outubro de 1998

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Ex-escravas sexuais coreanas ainda esperam compensação

RICHARD LLOYD PARRY
do "The Independent", na Coréia do Sul

Em meio aos campos de arroz do povoado de Twae Chon, a uma hora e meia de carro de Seul, Nanumui Jib seria um lugar tranquilo para qualquer pessoa passar o fim da vida. O nome significa "Casa da Partilha", e nela, sob os cuidados de quatro assistentes em tempo integral e grande número de voluntárias, vivem sete senhoras coreanas de entre 73 e 85 anos de idade.
Durante a maior parte da semana elas têm uma vida calma. Várias das senhoras são artistas habilidosas e, na maioria dos dias, recebem visitantes a quem mostram seu pequeno museu.
Essa rotina é interrompida uma vez por semana. Todas as quartas-feiras elas vão até Seul para se reunir em frente à embaixada japonesa. Ali, acompanhadas por outras senhoras, cantam, gritam e choram os sofrimentos do passado e a injustiça do presente.
A Casa da Partilha é um lugar onde a agonia da Segunda Guerra Mundial se mantém viva. Suas residentes foram todas "comfort women" (mulheres que provêem conforto), eufemismo amargamente irônico usado pelo Exército imperial japonês para designar as centenas de milhares de mulheres recrutadas à força para atuarem como prostitutas na frente militar.
As chamadas "estações de conforto" onde elas eram escravizadas, foram montadas em todas as partes dos territórios conquistados pelo Japão. Entre as escravas figuram filipinas, chinesas, indonésias, tailandesas e cambojanas. Mas quatro em cada cinco eram coreanas, e é na Coréia que sua causa é mais defendida.
Um caso típico entre elas é o de Kim Soon Duk, arrancada do povoado em que vivia em 1937, aos 17 anos. A Coréia já era colônia do Japão havia 27 anos, e o Exército imperial estava estendendo seu domínio pela China. "Os militares iam até cada casa e exigiam que cada família providenciasse uma moça. Era como se estivéssemos em guerra e estivessem recrutando jovens para servir no Exército."
Às moças foi dito que trabalhariam como enfermeiras ou costurando uniformes no Japão. A verdade só veio à tona quando Kim chegou a Xangai. "Chorei noites a fio. Algumas de minhas amigas, que vieram comigo, se mataram."
As estimativas quanto ao número de escravas variam entre 80 mil e 300 mil. Para as sobreviventes, o sofrimento não terminou com o fim da guerra. Muitas se viram em lugares distantes da Ásia, sem poder voltar para casa. Aquelas que conseguiram se chocaram com uma sociedade confuciana profundamente conservadora, para a qual sua violação era motivo mais de vergonha do que de compaixão.
Foi apenas em 1991 que uma escrava sexual coreana falou abertamente sobre o que lhe aconteceu. Desde então, o problema se tornou o mais complicado na delicada relação entre Coréia do Sul e Japão.
No ano passado, o governo japonês ofereceu 3 milhões de ienes (US$ 20 mil) às escravas sobreviventes, acompanhados de um pedido de desculpas do então premiê, Ryutaro Hashimoto. Mas Tóquio vem se recusando a pagar qualquer compensação oficial. O dinheiro foi dado por empresas privadas, e apenas um punhado de ex-escravas o aceitou.
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Tradução de Clara Allain



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