São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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Assessor de Lula rejeita críticas feitas pelos EUA

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, classificou ontem de "estapafúrdias" as declarações do secretário-assistente de Estado do governo George W. Bush, Roger Noriega, de que a Argentina está fazendo um "giro à esquerda" e se aproximando de Cuba.
"Essas reações [de Noriega] são estapafúrdias, a não ser que alguém esteja querendo criar confusão", disse Garcia à Folha, por telefone, ressaltando em diferentes momentos da conversa que as relações do Brasil com os EUA estão "ótimas".
Para Garcia, o secretário-assistente não está usando um tom diferente do usado por seus superiores no governo Bush: "Ele está falando como funcionário de governo ou como refugiado cubano?", ironizou o brasileiro. Apesar de ferrenhamente anticastrista, Noriega é americano de família mexicana -e não cubana.
De uma forma ou de outra, Garcia acha "surpreendente" que Noriega esteja tão livre para falar o que pensa: "Como funcionário de governo, ninguém se libera de suas convicções pessoais, mas precisa ter enorme cuidado ao comentar questões dessa grandeza, sobretudo para não criar um foco desnecessário de tensão".
Garcia criticou a interferência na política interna da Argentina e da Venezuela e avaliou que o problema é a existência de "uma série de vetores" e de "umas sete cabeças" definindo a política externa americana.
"Não vejo sentido em que, às vésperas da Cúpula das Américas [que será na próxima semana, em Monterrey, no México], funcionários de segundo e até de terceiro escalões fiquem fustigando presidentes como Hugo Chávez [Venezuela] e Néstor Kirchner [Argentina]", disse.
Além das críticas de Noriega à Argentina, assessores do Departamento de Estado dos EUA vêm dando sucessivas declarações a jornais e agências de notícias criticando Chávez, acusando-o de fomentar o antiamericanismo na América Latina ou até de abrigar terroristas de origem árabe.
Uma das acusações comuns é a de que Chávez teve encontro com Evo Morales, um dos líderes de oposição na Bolívia, considerado à esquerda do atual governo. Mas, lembrou Garcia, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já conversou com Morales.
"Qual o sentido de estigmatizar o Morales? Ele se incluiu no jogo democrático, lidera uma corrente política e um partido legal."

Agenda de Monterrey
Hoje, Garcia participará de reunião com Lula e o chanceler Celso Amorim justamente para discutir a participação do Brasil em Monterrey e os temas da conversa em separado que o presidente brasileiro terá com seu colega americano, George W. Bush.
Segundo Garcia, o encontro será curto, "porque os dois têm se encontrado e conversado bastante", inclusive quando Bush telefonou no dia seguinte à prisão de Saddam Hussein, em dezembro, e pediu ajuda a Lula para fazer avançar as negociações para a implantação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). O Brasil, porém, não quer incluir a Alca no texto da Cúpula das Américas, ao contrário dos EUA.
Na semana que vem, os dois presidentes vão discutir uma "agenda positiva", como a evolução das negociações da Alca e as questões bilaterais. Mas o assessor admitiu que deverão também comentar "essa coisa de funcionários falando demais".
Apesar das declarações americanas contra Chávez, Kirchner e Fidel Castro, de Cuba, Marco Aurélio Garcia diz que a posição do governo americano em relação à América Latina tem sido "de sapiência": "As relações com o continente têm sido adequadas".
Garcia avaliou também que as relações econômicas seguem normais. Exemplo: Chávez condenou duramente a guerra do Iraque, mas em nenhum momento faltou petróleo venezuelano nos EUA. Mesmo que um governo não goste do outro, os interesses econômicos têm sido preservados.
Garcia não soube ou não quis dizer, mas há a possibilidade de Lula se oferecer como moderador entre Bush e Chávez depois das seguidas reportagens originadas no Departamento de Estado contra a Venezuela. Depois de conversar na semana que vem com Bush, Lula deverá ir em fevereiro à Venezuela, para um encontro multilateral.


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