São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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ANÁLISE

América Latina não teme mais os EUA

Claudia Daut/Reuters
Estudantes cubanos gritam ao encenar a entrada triunfal de Fidel Castro em Havana, em 1959, lembrada anualmente em Cuba


CHISTOPHER MARQUIS
DO "NEW YORK TIMES"

Os EUA, que com frequência vêem a maioria dos países latino-americanos como aliados dóceis e confiáveis, enfrentam um ressentimento crescente na região devido às suas políticas comerciais e de segurança, vistas por algumas nações como contrárias aos seus interesses.
Quando o presidente George W. Bush viajar para o México na próxima semana para uma reunião de líderes do hemisfério, ele encontrará uma América Latina mais assertiva.
A região não apoiou Washington na Guerra do Iraque, exige um melhor tratamento para seus emigrantes que trabalham nos EUA e continua colocando obstáculos a um acordo comercial que alguns países, liderados pelo Brasil, vêem como injusto.
Bush tentará amaciar as relações com seu colega mexicano, Vicente Fox, apresentando suas novas propostas migratórias, que poderão beneficiar milhões de mexicanos ilegais nos EUA.
Mas há outras questões mais relevantes para a América Latina, onde vários países possuem economias débeis, comércio exterior anêmico e altos níveis de criminalidade, violência e corrupção.
Muitas nações olham para Bush na esperança de um apoio que fortaleça suas economias e as ajude a superar crises de governabilidade como as que atingem a Venezuela, a Bolívia, o Haiti ou mesmo a Colômbia.
Bush -que fala espanhol e possui alguma experiência em questões latino-americanas por ter sido governador do Texas (divisa com o México)- chegou à Casa Branca prometendo incrementar as relações com a região.
Mas, desde os atentados do 11 de Setembro, sua atenção foi desviada para a guerra contra o terrorismo e para outras regiões do mundo, em especial a Ásia Central, o Oriente Médio e a África.
Um analista vê a participação de Bush na cúpula de Monterrey como "uma segunda aproximação" com a vizinhança.
Alguns líderes latino-americanos dizem que estão adotando uma nova atitude, mais pragmática, em suas relações com os EUA. Parecem não ter mais medo de desafiar Washington, mesmo diante de considerável pressão.
O exemplo mais claro dessa independência foi a recusa da maioria dos países da região em apoiar os EUA na Guerra do Iraque.
O Chile e o México, que ocupavam uma vaga provisória no Conselho de Segurança da ONU na época, sinalizaram que não apoiariam uma resolução autorizando o uso da força contra o Iraque (que, aliás, nunca chegou a ser votada). Apenas sete dos 33 países latino-americanos e caribenhos apoiaram a ação militar.
A administração Bush tem entrado em atritos repetidos com o Brasil, o maior país da região. Os desacordos, principalmente no âmbito comercial, resultaram num impasse em relação ao projeto mais ambicioso e esperado para a América Latina: o estabelecimento de uma área de livre comércio da Argentina ao Alasca.
Quando o Brasil liderou parte das demais nações latino-americanas na insistência em que temas como os subsídios agrícolas e as proteções dos EUA para a importação de aço fossem incluídos nas negociações, Robert B. Zoellick, representante dos EUA para o comércio, qualificou esses países como sendo "do contra". O Brasil manteve sua posição.
Nos últimos dias, um juiz brasileiro determinou que os americanos que desembarcam no Brasil devem ser fotografados e ter suas impressões digitais tiradas, alegando o princípio de reciprocidade diante das novas regras para a entrada de estrangeiros nos EUA.
Há também o caso da Argentina, que foi um aliado muito próximo dos EUA nos anos 90.
Nesta semana, o secretário-assistente de Estado dos EUA para a América Latina, Roger Noriega, criticou o novo governo argentino por um suposto aquecimento de suas relações com Cuba e por uma virada excessivamente à esquerda. A reação de Buenos Aires foi rápida e indignada. Um assessor do presidente Néstor Kirchner declarou que os dias de "alinhamento automático" com Washington estavam terminados.


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