São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 2006

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General falou em se matar, diz colega

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

O general Urano Bacellar, 58, tinha crises de depressão freqüentes ainda como tenente pára-quedista, nos anos 70, e falou várias vezes que tinha vontade de se matar, segundo seu instrutor e companheiro de alojamento Osvério Ferreira Motta, 63, coronel da reserva do Exército.
Os dois oficiais pertenciam à tropa de elite do Exército e fizeram parte dos grupos que atuaram contra a guerrilha do Araguaia nos anos 70. Segundo Motta, eles conviveram intensamente -tinham camas lado a lado- por cerca de seis anos, na Brigada Pára-Quedista, no Rio, quando eram tenentes, e se conheciam desde a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Após o período no Rio, encontraram-se esporadicamente, até o início dos anos 90, quando o coronel foi para a reserva.
Motta diz que na maioria das vezes o motivo da depressão do colega era o rigor extremo de certos treinamentos militares, e que Bacellar -homem "reflexivo e intelectualizado"- contestava a razão de alguns exercícios e os métodos de missões de combate a opositores do regime militar. Segundo o militar, Bacellar comandou patrulhas no Araguaia.
"Ele sempre falou que ia se matar e entrou muitas vezes em depressão. Eu chegava para o café da manhã, perguntava o que estava acontecendo e ele me dizia: "Estou triste hoje. Não estou entendendo mais nada. Isso aqui não tem razão de ser"."
A Folha ligou para a casa do general, no Rio, mas a pessoa que atendeu recomendou contato com o Centro de Comunicação Social do Exército. O órgão informou inicialmente que não há registro de histórico de depressão de Bacellar. Pediu que se enviasse pedido por e-mail, o que foi feito. Até as 18h30 não houve resposta.
Um experiente general reformado, que também foi instrutor de Bacellar e pediu reserva de seu nome, afirmou que a morte do colega, nas circunstâncias em que ocorreu, pode ter seriíssimas conseqüências internacionalmente.
Para esse general, Bacellar pode não ter resistido às intensas pressões e às dificuldades no Haiti. Ele se disse decepcionado com o que considera uma possível mancha no que chamou de "tradição militar de excelência de missões dirigidas por brasileiros".
Para Paulo Assis, também general reformado e que chefiou diretamente o então tenente Bacellar na Brigada Pára-Quedista, a comprovação do suicídio o deixaria "abismado". "Ele era tranqüilo, sereno, não dá nem para entender. Nunca vi nada que demonstrasse tendência para a depressão. Mas a gente não sabe o que se passa na mente humana."
O militar não acredita que dificuldades no Haiti tenham causado o suposto suicídio. "Não tem nada a ver. Talvez tenha sido algo particular, íntimo", disse Assis.


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