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General falou em se matar, diz colega
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
O general Urano Bacellar, 58, tinha crises de depressão freqüentes ainda como tenente pára-quedista, nos anos 70, e falou várias
vezes que tinha vontade de se matar, segundo seu instrutor e companheiro de alojamento Osvério
Ferreira Motta, 63, coronel da reserva do Exército.
Os dois oficiais pertenciam à
tropa de elite do Exército e fizeram parte dos grupos que atuaram contra a guerrilha do Araguaia nos anos 70. Segundo Motta, eles conviveram intensamente
-tinham camas lado a lado-
por cerca de seis anos, na Brigada
Pára-Quedista, no Rio, quando
eram tenentes, e se conheciam
desde a Academia Militar das
Agulhas Negras, em Resende
(RJ). Após o período no Rio, encontraram-se esporadicamente,
até o início dos anos 90, quando o
coronel foi para a reserva.
Motta diz que na maioria das
vezes o motivo da depressão do
colega era o rigor extremo de certos treinamentos militares, e que
Bacellar -homem "reflexivo e
intelectualizado"- contestava a
razão de alguns exercícios e os
métodos de missões de combate a
opositores do regime militar. Segundo o militar, Bacellar comandou patrulhas no Araguaia.
"Ele sempre falou que ia se matar e entrou muitas vezes em depressão. Eu chegava para o café da
manhã, perguntava o que estava
acontecendo e ele me dizia: "Estou
triste hoje. Não estou entendendo
mais nada. Isso aqui não tem razão de ser"."
A Folha ligou para a casa do general, no Rio, mas a pessoa que
atendeu recomendou contato
com o Centro de Comunicação
Social do Exército. O órgão informou inicialmente que não há registro de histórico de depressão
de Bacellar. Pediu que se enviasse
pedido por e-mail, o que foi feito.
Até as 18h30 não houve resposta.
Um experiente general reformado, que também foi instrutor
de Bacellar e pediu reserva de seu
nome, afirmou que a morte do
colega, nas circunstâncias em que
ocorreu, pode ter seriíssimas conseqüências internacionalmente.
Para esse general, Bacellar pode
não ter resistido às intensas pressões e às dificuldades no Haiti. Ele
se disse decepcionado com o que
considera uma possível mancha
no que chamou de "tradição militar de excelência de missões dirigidas por brasileiros".
Para Paulo Assis, também general reformado e que chefiou diretamente o então tenente Bacellar
na Brigada Pára-Quedista, a comprovação do suicídio o deixaria
"abismado". "Ele era tranqüilo,
sereno, não dá nem para entender. Nunca vi nada que demonstrasse tendência para a depressão.
Mas a gente não sabe o que se passa na mente humana."
O militar não acredita que dificuldades no Haiti tenham causado o suposto suicídio. "Não tem
nada a ver. Talvez tenha sido algo
particular, íntimo", disse Assis.
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