São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

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Pragmático, Planalto considera pacote de mudanças como "questão interna"

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O governo Luiz Inácio Lula da Silva está cada vez mais desconfiado dos rumos que o presidente Hugo Chávez imprime à Venezuela, mas o que importa é que Chávez é muito conveniente (ou "excelente") para os interesses brasileiros e ninguém quer se meter nas "questões internas" do país vizinho.
Chávez está reestatizando e pretende nacionalizar empresas nas áreas de energia e telecomunicações, tirar a autonomia do Banco Central e intervir em empresas de comunicação, anunciando uma "revolução socialista". O Brasil prefere interpretar todos esses passos não como socialistas, mas sim como "capitalismo de Estado".
"O Brasil é amigo do Chávez, e ele é nosso amigo também", disse ontem à Folha por telefone, da Nicarágua, o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Para ele, as medidas lançadas por Chávez para seu novo mandato são "questões internas da Venezuela" e não há nenhum indício de endurecimento do regime.
"As medidas têm cunho econômico. Chávez vem de uma eleição recente e consagradora, tem sido altamente beneficiado pela democracia e certamente seu interesse só pode ser aprofundá-la", disse Garcia, que ocupou interinamente a presidência do PT em novembro e dezembro passados.
O motivo de tanta boa vontade com a Venezuela e com o regime Chávez pode ser explicado por ideologia, mas também por números. A Venezuela é um mercado milionário para produtos e serviços brasileiros.
Na avaliação pragmática tanto do Planalto como do Itamaraty, Chávez pode ter lá suas idiossincrasias, mas sua política contrária aos EUA e voltada ao sul do continente é "excelente" para o Brasil.
Em resumo, Chávez praticamente cedeu as principais obras da Venezuela a três empreiteiras brasileiras: Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. E vem mais por aí, porque pelo menos uma delas deverá participar da construção da hidrelétrica de Tocoma, ao norte do país.
No ano passado, o Brasil exportou para a Venezuela US$ 1 bilhão a mais do que para o Reino Unido e também para a França, tradicionais parceiros comerciais brasileiros.
De janeiro a novembro, as exportações para o país de Chávez foram de US$ 3,3 bilhões, contra importações de apenas US$ 548 milhões, com um superávit a favor do Brasil de US$ 2,7 bilhões.
A Venezuela compra todo tipo de produtos, inclusive quinquilharia, da Zona Franca de Manaus. Na pauta de exportações, lideram automóveis e tratores; máquinas, aparelhos e terminais elétricas; e caldeiras.
Quanto ao endurecimento e ao fechamento do regime, trata-se de questões consideradas "secundárias" nas áreas políticas do governo brasileiro, apesar de assustarem as áreas mais econômicas, como os ministérios de Minas e Energia e do Desenvolvimento.
Na área política, a orientação evidente é tratar os anúncios de Chávez -inclusive sua disposição de permitir reeleições sucessivas, sem limite- como "questões internas", como disse explicitamente Garcia.


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