São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2002
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ARTIGO Supremacia militar dos EUA acentua dilemas
RUPERT CORNWELL
No encontro de representantes da Defesa que teve lugar no fim de semana passado em Munique (Alemanha), duas questões estavam por trás das queixas formuladas com relação ao unilateralismo americano e à pouca disposição dos EUA em realizar consultas prévias com seus aliados: pode a aliança atlântica funcionar sem os EUA, e será que os EUA precisam da Otan, para começar? O caso do Afeganistão ilustra esse dilema perfeitamente. No papel, havia uma coalizão; na prática, apenas o Reino Unido, a Austrália e o Canadá fizeram qualquer contribuição significativa para a campanha. Outras ofertas simplesmente foram ignoradas pelos Estados Unidos. Washington aprendeu duas lições com a Guerra de Kosovo e as aplicou ao Afeganistão: uma era que a potência aérea pode vencer guerras, e a outra, que não se comanda uma guerra em comitês. Nas palavras contundentes de Kennedy, o historiador, "falava-se de uma aliança militar Potemkin em que os EUA travam 98% dos combates e os britânicos, 2%, enquanto o Japão veleja em torno da ilha de Maurício". E, a acreditarmos nas teorias que ele expôs em "Ascensão e Queda das Grandes Potências", é pouco provável que o poderio relativo dos EUA vá diminuir no futuro próximo. A decadência das grandes potências -Espanha, França, Reino Unido e, mais recentemente, a União Soviética-, argumentou Kennedy na época, se deveu ao fato de elas terem assumido compromissos militares que superavam o que eram capazes de manter ou financiar. Por qualquer um desses critérios, os americanos, aparentemente, estão garantidos. Os EUA mantêm dezenas de bases fora de seu território e, graças a 12 (que em pouco tempo serão 13) grupos de porta-aviões, podem projetar seu poderio militar quase imediatamente para qualquer canto do planeta. Mas não são uma potência militar no sentido antigo, ocupando ou estacionando seus soldados em grandes extensões de território, como faziam o Reino Unido ou a União Soviética.
De fato, como mostra o caso do Afeganistão, os EUA não querem envolvimento no exterior. Entrar no país, vencer a guerra, depois sair e deixar a cargo de outros países o fornecimento de forças permanentes de manutenção da paz é o que reza outra parte da nova doutrina Bush. Como observou esta semana Donald Rumsfeld, o extremamente experiente secretário da Defesa americano: "US$ 379 bilhões são muito dinheiro, mas representam apenas 3,3% de nosso PIB. Quando eu vim para Washington, em 1957, gastávamos 10% de nosso PIB com a Defesa". Do mesmo modo, os gastos militares, embora sejam imensos, não estão provocando problemas orçamentários comparáveis aos que foram causados, digamos, pela Guerra do Vietnã. É verdade que o Orçamento de 2003 é deficitário outra vez, graças à somatória da recessão e dos cortes nos impostos decretados por Bush. Mesmo assim, o déficit previsto, de cerca de US$ 100 bilhões, representa apenas 1% do PIB americano, o que significa que, se os EUA estivessem na zona do euro, seriam vistos como exemplares. Um fato que é quase mais alarmante do que tudo isso, para os aliados dos EUA, é que tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo em que os EUA continuam a despejar dezenas de bilhões de dólares em enormes e antiquados programas de armas projetados para a era da Guerra Fria, que já ficou para trás: o novo caça "invisível" F-22, o helicóptero Comanche e o caça F/A-18E/F, sem falar no sistema nacional de defesa antimísseis. Rumsfeld está falando de um Orçamento de estilo novo, para fazer frente a uma ameaça nova, numa nova era. Mas as armas acima citadas, embora constituam ferramentas ótimas para a contenção de uma superpotência rival que já deixou de sê-lo, de pouco ajudariam para esmagar o chamado "eixo do mal", cujos três integrantes -Irã, Iraque e Coréia do Norte- possuem um orçamento militar conjunto de meros US$ 12 bilhões de dólares, ou seja, mais ou menos o que os EUA gastam em sua defesa em apenas dez dias. É claro que a vitória no Afeganistão era certa para os EUA -um país desesperadoramente pobre e devastado por guerras sendo atacado ao bel-prazer de seus inimigos, numa disparidade militar equivalente a uma partida de futebol contrapondo, de um lado, o Manchester United e, do outro, um timinho de várzea de quinta categoria. Os inimigos futuros, entre os quais, possivelmente, o Iraque, não serão tão facilmente derrotados. A China, sem dúvida, vai tornar-se uma potência militar mais importante. Apesar de tudo, porém, durante um longo futuro previsível, o mundo será obrigado a conviver com a "Pax Americana", imposta pela potência militar mais poderosa da história. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Realeza: Princesa Margaret morre aos 71 em Londres Próximo Texto: Coronel venezuelano pede resistência se for preso Índice |
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