São Paulo, terça, 10 de março de 1998

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CHILE
Mulher do presidente deposto em 1973 por Pinochet quer que ele revele onde estão enterrados os desaparecidos políticos
Viúva de Allende vê democracia imperfeita

do enviado especial a Santiago

Para Hortensia Allende, 83, viúva de Salvador Allende, o presidente socialista deposto por Pinochet em 1973, a permanência do general como figura central da política chilena 25 anos depois do golpe mostra que a democracia chilena é imperfeita e limitada.
"No plebiscito de 1988, o povo chileno disse que não queria mais Pinochet no poder, mas ele continuou sendo protagonista e, agora, vai ocupar uma vaga no Senado que ele mesmo fechou. Isso mostra que vivemos numa democracia muito limitada", afirmou à Folha.
Salvador Allende se suicidou quando o Palácio de la Moneda foi invadido pelos golpistas. Leia os principais trechos da entrevista concedida por Hortensia em sua casa em Santiago. (OTÁVIO DIAS)

Folha - O general Augusto Pinochet continua sendo a figura central do Chile, 25 anos depois do golpe de Estado que depôs seu marido. O que a sra. gostaria de dizer sobre a ida dele ao Senado?
Hortensia Allende -
É verdade que Pinochet continua a figura central do Chile, apesar do resultado do plebiscito de 1988, quando os chilenos votaram pelo "não", deixando claro que não o queriam no poder. Depois, vieram os governos democráticos, a transição, mas ele continuou sendo protagonista durante os mandatos de Patricio Aylwin e de Eduardo Frei.
E agora, o homem que fechou o Congresso, que destruiu os registros eleitorais, chega ao Senado como senador vitalício porque assim determina a Constituição de 1980. Tudo isso mostra que a democracia que vivemos é muito imperfeita e limitada. A maioria dos chilenos é contra a Constituição de 80, é contra os senadores designados e vitalícios, é contra a permanência de Pinochet no poder.
Folha - A sra. vai participar de manifestações contra o general?
Allende -
Eu estarei em Valparaíso amanhã porque minha filha, Isabel Allende, tomará posse como deputada. Mas não irei ao Senado, onde estará Pinochet.
Folha - O que a sra. espera de Pinochet no Senado?
Allende -
Não se deve esperar muito porque ele é um homem de pouca luz, é um homem inculto. Ele tem sentido político, mas não está preparado para ser senador. Ele se expressa mal e já está muito vacilante. Acho que seu papel será muito restrito, inclusive porque a direita não quer aparecer demasiadamente unida a Pinochet.
Folha - Alguns senadores contrários a Pinochet dizem que algo positivo no fato de Pinochet se tornar senador: ele estará em igualdade de condições com os outros e terá de responder perguntas que até agora se negou a responder. Que pergunta a sra. faria a ele?
Allende -
A pergunta que todos temos à flor da pele é onde estão enterrados os desaparecidos políticos. Pinochet nunca respondeu onde foram parar as pessoas que morreram durante o regime militar. Ele traiu Salvador Allende, e faz parte de sua mente e de seu raciocínio eliminar os que atrapalham sua trajetória até o poder.
Folha - Do ponto de vista econômico, o governo de Pinochet teve êxito e, por isso, ele e os militares chilenos se sentem vitoriosos. Qual é a sua opinião sobre isso?
Allende -
Não sei se eles podem ser considerados vitoriosos. Não me parece que alguém que tenha desprezo pelos direitos humanos pode se considerar vitorioso.
Folha - Na sua visão, qual o erro cometido por Allende que contribuiu para o golpe de Estado?
Allende -
O grande erro foi que Allende foi eleito presidente em 1970 com apenas cerca de 36% dos votos. E deveria ter governado considerando que não era um governo majoritário. Deveria ter governado com a democracia cristã.



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