São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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EUA

Judith Miller, que se negou a revelar fonte em caso de vazamento de identidade de agente da CIA, lava roupa na cadeia, onde está há 67 dias

Repórter bate recorde de tempo na prisão

ADAM ENTOUS
DA REUTERS, EM WASHINGTON

A repórter do "New York Times" Judith Miller, já é o jornalista que mais tempo ficou atrás das grades por proteger uma fonte nos EUA. Hoje, ela completa 67 dias detida no presídio de Alexandria, próximo de Washington. Antes dela, um profissional do "Los Angeles Times" havia passado 48 dias na cadeia.
Miller, que foi presa por se recusar a revelar quem lhe contou o nome de uma agente secreta da CIA, trabalha em tempo parcial na lavanderia da prisão, ajudando a lavar os macacões e a roupa de cama dos detentos, enquanto o inquérito no qual está envolvida pode estar perto do fim.
Entre seus turnos na lavanderia, Miller trabalha na biblioteca, catalogando os livros, contou o advogado Floyd Abrams, dando novos detalhes sobre a vida de Miller atrás das grades, após ter se encontrado com ela, na quarta-feira.
Abrams, que representa o "New York Times", afirmou que Miller estava "em segurança", mas que as condições na penitenciária eram "deprimentes".
Miller se recusou a depor em um júri de instrução que tenta determinar que integrante do governo Bush divulgou indevidamente a identidade de Valerie Plame, agente da CIA.
Abrams disse que Miller continua "decidida" e que não revelaria sua fonte ao júri de instrução do caso, que pode abalar mais um governo que já vem sofrendo pesadas críticas devido à sua reação ao furacão Katrina. O inquérito acabou envolvendo Karl Rove, o principal assessor político do presidente George W. Bush.
Advogados familiarizados com a investigação afirmam que existem sinais de que o inquérito, iniciado há 20 meses, será encerrado dentro de algumas semanas, em uma rodada final de negociações e manobras judiciais.
Questionado se havia negociação em curso com o promotor especial Patrick Fitzgerald, do Departamento da Justiça, para a libertação e o depoimento de Miller, Abrams disse que "caso existisse a discussão, seria sigilosa".
"Ela está [na prisão] por um motivo. No momento, o motivo continua a existir. Ela fez uma promessa e, a menos que a fonte a libere de cumpri-la, não tem escolha a não ser manter a posição que assumiu", disse o advogado.
Ele se recusou a comentar se Miller, detida desde 6 de julho embora não tenha publicado nenhum texto sobre o caso Plame, havia contatado sua fonte de novo pedindo que fosse liberada da promessa de confidencialidade, permitindo que depusesse.
O advogado Theodore Boutrous, que representa a revista "Time" e seu repórter Matthew Cooper, disse que o impasse entre Miller e o promotor especial talvez esteja chegando ao fim.
"Ou ele precisa de Miller ou não precisa", disse Boutrous. "Quem piscar primeiro... Não há como não acreditar que é preciso que alguma coisa aconteça em breve, em um sentido ou no outro."
Diferentemente de Miller, Cooper evitou ser preso concordando em depor depois que recebeu "consentimento pessoal expresso" de sua fonte para revelar-lhe a identidade. A primeira pessoa que o informou sobre Plame foi Rove, afirmou o jornalista.
O marido da agente, o ex-diplomata Joseph Wilson, disse que o vazamento tinha por objetivo desacreditá-lo por criticar a política de Bush quanto ao Iraque em 2003, após uma viagem financiada pela CIA para investigar se o Níger havia ajudado a fornecer materiais nucleares para Bagdá.
Diversos advogados envolvidos no caso dizem que é provável que o promotor especial encerre o inquérito até o final do ano, se não mais cedo, ainda que digam não terem recebido informações do escritório dele em semanas.

Desgaste político
O desfecho poderá ter implicações políticas para Bush, cujo índice de aprovação já é o mais baixo desde seu primeiro mandato.
Depois de inicialmente prometer que demitiria quem quer que tivesse divulgado informações sobre o caso, Bush reelaborou em julho sua promessa: "Se alguém cometeu um crime, não voltará a trabalhar em meu governo".
Líderes do Partido Democrata exigem que Bush demita Rove, o arquiteto de suas duas vitórias presidenciais e agora vice-chefe de gabinete, ou restrinja seu acesso a informações confidenciais.
Os advogados de Rove dizem que ele nada fez de errado e que lhe foi garantido diversas vezes que não é um dos alvos da investigação do promotor especial.
Quando Miller foi detida, o juiz federal Thomas Hogan determinou que ela deveria ficar na prisão até concordar em depor ou pelo restante do período de competência do júri de instrução, que se encerra em outubro próximo.
Mas caso não haja acordo, dizem advogados, o promotor especial poderá reforçar a pressão, ameaçando Miller com sentença mais longa. Os advogados de Miller, por sua vez, poderiam argumentar que ela não tinha intenção de testemunhar e que mantê-la presa não afetaria o trabalho de Fitzgerald, já que outros envolvidos haviam revelado suas fontes.
Repórter investigativa que cobre assuntos de segurança nacional e de política externa, Miller é um dos cerca de 440 detentos do presídio de Alexandria.
O presídio de Alexandria onde Miller está detida abrigou alguns dos mais notórios espiões e suspeitos de terrorismo do país. Num pavimento acima do de Miller, está Zacarias Moussaoui, a única pessoa condenada por causa do 11 de Setembro.
Como outros detentos, ela tem uma pequena cela que recebe alguma luz natural por uma janela e é trancada para dormir a partir das 23h. A cela dispõe de uma pia, um vaso sanitário e uma cama.
Davis não quis falar muito da rotina de Miller. Em termos gerais, disse, quem trabalha na lavanderia ajuda a lavar calças, roupa de cama e macacões.


Tradução de Paulo Migliacci

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