São Paulo, quinta, 10 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VOLTA AO PASSADO
Consumidores correm às lojas para se livrar do rublo e evitar falta de alimentos durante o inverno
População russa teme falta de comida

Otavio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Consumidora procura carne em loja com vitrine vazia, em Moscou; os russo temem escassez de alimentos em função da crise econômica


JAIME SPITZCOVSKY
enviado especial a Moscou

O fantasma da escassez de alimentos voltou a rondar a Rússia. A população, temendo maior desvalorização do rublo e instabilidade política, compra mercadorias para se livrar da moeda russa e estoca alimentos para o inverno que se aproxima.
O país atravessa sua pior crise política e econômica desde o fim da União Soviética, em 91. Para enfrentar a turbulência econômica da transição ao capitalismo, o presidente Boris Ieltsin lançou um pacote anticrise que provocou queda na cotação do rublo, baixa nas Bolsas e moratória parcial da dívida externa.
O caleidoscópio russo se tornou ainda mais confuso com a crise política iniciada com o afastamento do então primeiro-ministro, Serguei Kirienko, no mês passado. A Duma (câmara baixa do Parlamento) se recusa a confirmar Viktor Tchernomirdin, o sucessor indicado por Ieltsin.
O país, dono do segundo maior arsenal nuclear do planeta, navega praticamente desgovernado. Ieltsin estuda, desde segunda-feira, uma saída para o impasse.
A acelerada desvalorização do rublo - de 6,3 rublos para 15,77 rublos por dólar em três semanas- deixou os produtos importados mais caros. Anteontem, a cotação chegou a atingir 20,82 rublos por dólar. Cerca de 65% dos produtos alimentícios consumidos na Rússia vêm de outros países.
De um lado, consumidores russos correram às lojas para gastar os rublos e evitar maior perda em seu poder aquisitivo. De outro, exportadores seguraram suas entregas à Rússia, com medo de os compradores não conseguirem pagar as dívidas devido ao enfraquecimento da moeda nacional.
"O Ocidente teme um inverno de fome na Rússia", manchetou o "Izvestia", o principal diário do país, na última terça-feira.
O fluxo de caminhões que vêm da vizinha Finlândia, com alimentos, caiu pela metade nas últimas duas semanas, afirmou o jornal moscovita.
Moscou sofre o golpe com mais intensidade do que o interior do país. Na capital, até 85% dos produtos alimentícios vendidos carregam rótulos estrangeiros, e as indústrias de alimentos que abastecem a cidade importam entre 85% e 90% de suas matérias-primas, segundo o Ministério de Relações Econômicas Internacionais e do Comércio.
A dependência surge como sequela do atraso tecnológico da extinta URSS. Produtos importados costumam apresentar melhor qualidade, e a Rússia pós-soviética não recebeu investimentos estrangeiros suficientes para montar uma indústria alimentícia competitiva.
²

Estoque de carne "Estamos vendendo duas vezes mais carne do que o habitual", disse Alexander Gribov, vice-diretor de uma loja estatal de alimentos na rua Tsvetnoi, centro de Moscou. O estabelecimento, numa herança dos tempos comunistas, leva apenas o nome "Produtos", repetido em outras unidades da rede governamental.
Eram 17h15 (10h15 em Brasília) e a loja vendia sua última porção de carne bovina. "As pessoas levam para congelar", afirmou.
Um quilo de filé era vendido a 43 rublos (cerca de US$ 2,7), contra 33 rublos na semana passada. A carne de carneiro, no mesmo período, pulou de 43 rublos para 53 rublos.
Os russos, no entanto, preferem estocar produtos não-perecíveis, como sal e enlatados. O supermercado russo-alemão Diplomat, na rua Bolshaia Gruzinskaia, vendeu, no começo desta semana, todo seu estoque de desodorantes, pastas de dente, fraldas e papel higiênico.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.