São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESTRATÉGIA

Com a supremacia aérea, resta saber se e como EUA e Reino Unido vão usar seus homens

Cálculo aliado agora é sobre o uso das forças terrestres

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As Forças Armadas dos EUA já dizem ter obtido "supremacia aérea" sobre o Afeganistão, isto é, uma praticamente total capacidade de movimento sobre os céus do país sem graves riscos. Com isso estão criadas as condições para o uso de tropas terrestres anglo-americanas. Resta saber a forma que essa intervenção deverá tomar.
Não existe guerra pela metade. Um país que tenta combater usando um mínimo de recursos, ou tentando minimizar baixas, geralmente perde a guerra.
Se a guerra for de fato "longa e suja", nas palavras dos governantes americanos, fatalmente terão de ser usadas tropas terrestres próprias -e não fazer a "guerra por procuração" por meio dos soldados da Aliança do Norte.
O termo "supremacia aérea" foi usado pelo general Richard Myers, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA. No jargão militar, "supremacia" vai um ponto além da chamada "superioridade aérea", na qual a dominação é grande, mas não tão absoluta, ainda havendo certa dose de risco grave em certas condições.
O presidente George W. Bush desconversou ontem quando perguntado sobre o uso de tropas, uma reação óbvia e esperada.
Mas é impossível esconder a movimentação de milhares de pessoas. Tropas têm famílias e treinam em quartéis definidos.
Já foram enviados para o Uzbequistão mil soldados da 10ª Divisão de Montanha, e espera-se para breve um reforço de mais mil. Outra unidade que está se movimentando é a 101ª Divisão Aerotransportada.
Uma divisão é uma unidade militar com entre 10 mil e 15 mil homens -o número exato varia de país para país e de acordo com o tipo da divisão-, incluindo tanto tropas de combate como de apoio logístico.
A 10ª e a 101ª são unidades de infantaria do modelo "leve" -isto é, não são equipadas com uma grande quantidade de veículos, como as unidades de infantaria tradicionais, nem muito menos possuem os famosos tanques M-1 Abrams de 60 toneladas que esmagaram -também no sentido literal- os iraquianos em 1991.

História
A 10ª de Montanha lutou na Segunda Guerra Mundial nos montes Apeninos, no norte da Itália, ao lado da Força Expedicionária Brasileira, em 1945. Um dos integrantes da 10ª era o senador republicano Robert Dole.
A 10ª Divisão tinha então apenas 421 veículos de todos os tipos (jipes e caminhões, principalmente), mas era equipada com 5.961 cavalos e mulas.
Não foi divulgado se a 10ª de hoje vai usar animais de carga; provavelmente não, pois o helicóptero, não existente na Segunda Guerra, cumpre boa parte dessa necessidade de transporte.
Mas, curiosamente, um dos mais importantes suprimentos que os americanos enviaram no passado recente aos guerrilheiros islâmicos foram mulas.
Centenas de mulas do Tennessee foram enviadas ao Paquistão e dali para o Afeganistão em 1987. Elas ainda hoje constituem o principal meio de transporte no terreno montanhoso da região, inacessível a veículos de rodas.
Sem mulas, cavalos ou camelos para transportar munição e alimento, o combate em montanhas fica quase impossível, com sua duração e intensidade limitada ao que um ser humano consegue carregar.
Sem helicópteros, só animais de carga permitem transportar pelas montanhas as metralhadoras e morteiros mais pesados.

Mísseis
No outro extremo do equipamento dos afegãos estão os mísseis antiaéreos portáteis Stinger, enviados também pelos americanos. Ele é um exemplo excelente de um equipamento de alta tecnologia, mas robusto e simples o suficiente para ser usado por um soldado com pouco treinamento.
Pesando 15,8 kg, é feito para ser disparado apoiado no ombro. Mas o operador não precisa ficar se preocupando em ficar fazendo pontaria. O míssil tem alcance de 5.000 metros.
Tiros de fuzis não faziam efeito no helicóptero blindado Mi-24 -alguns poucos dos quais ainda restaram no país, em uso tanto pela milícia Taleban -que se presume agora destruídos- como pela rival Aliança do Norte.
O equivalente americano é o AH-64 Apache, um helicóptero também protegido contra tiros de fuzis e capaz de lançar mísseis e foguetes, além de ter um letal canhão de tiro rápido calibre 30 mm. O Apache chegou a ser enviado para Kosovo e foi usado no Golfo Pérsico em 1991.
A dificuldade de transportar armas mais pesadas pelas montanhas faz com que o equipamento das milícias seja basicamente constituído de fuzis, lança-granadas, metralhadoras e morteiros.
A superioridade de aviação dos soviéticos impedia que os guerrilheiros pudessem usar armas pesadas capturadas, como tanques e canhões. Com a saída dos russos e a desintegração do Exército do Afeganistão, esse "espólio" passou a ser usado pelas milícias, que passaram a lutar entre si de forma mais convencional, com barragens de fogo de artilharia e foguetes e apoio de tanques.



Texto Anterior: "Erros" viram rotina em conflitos modernos
Próximo Texto: Aliança aproveita e promove ofensiva
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.