São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

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Medo e raiva crescem em Cabul

SAYED SALAHUDDIN
DA "REUTERS", EM CABUL

O medo e a raiva se espalham pela capital afegã, Cabul. Os moradores passam as noites aterrorizados pelos bombardeios e os dias frustrados com a limpeza dos escombros e preocupados com o que virá a seguir.
Os bombardeios para punir a liderança do Taleban pelo abrigo que dá ao saudita Osama bin Laden já fizeram com que levas de residentes fugissem em carros obsoletos, carroças ou mesmo a pé, para a relativa segurança do campo estéril que cerca a capital.
Temendo a continuação dos ataques, e pobres demais, assustados demais ou combativos demais para deixar a cidade, moradores tensos agora amaldiçoam os ataques liderados pelos EUA e pedem por uma pausa.
"Por quanto tempo mais os americanos desejam que soframos?", perguntou um homem angustiado. "Não conseguimos dormir... não podemos ir às mesquitas rezar."
"Já estamos vivendo um caos. O que mais o mundo quer de nós?", lamentou-se outro morador de Cabul, que vive perto do local do ataque que atingiu escritório da ONU e matou quatro civis. "Melhor usar uma bomba atômica e matar todos nós de uma vez."
Um estudante do ensino médio disse: "Abaixo essas pessoas que atacam os inocentes e se declaram salvadores do povo. Os países que bombardeiam o Afeganistão e matam civis em outras partes do mundo, seja na Palestina ou em Israel, é que são malignos."
Podia-se ouvir aviões sobrevoando a cidade enquanto as mesquitas convocavam os fiéis para as primeiras orações do dia.
O fogo antiaéreo prosseguia, e as forças do Taleban disparavam em vão contra bombardeiros voando longe de seu alcance.
Os Estados Unidos dizem que estão visando Bin Laden e sua rede Al Qaeda, apontados como suspeitos do devastador ataque de 11 de setembro, e também a liderança do Taleban, por lhe dar abrigo.
Ainda que acostumados a conflitos, os afegãos em geral sabem quem estão combatendo. Precisam ver o inimigo ou pelo menos estar ao alcance dele -a fim de que possam infligir danos com suas armas obsoletas.
Esse conflito é algo de novo -mísseis invisíveis ao radar lançados por submarinos, a centenas de quilômetros de distância, e aviões inatingíveis.
"Será que o mundo sabe que as pessoas de Cabul estão traumatizadas?", perguntou um padeiro. "Podem saber, mas, como isso não acontece em suas portas, não ligam", acrescentou.
Ainda que a maior parte dos moradores critique os Estados Unidos por tornar suas vidas miseráveis, alguns vêem os ataques como o começo do fim para a liderança do Taleban.
"Não tenho medo", disse um homem, alegando que não deixaria a cidade. "Quero que o Taleban se vá, e os ataques talvez causem isso."
Mas ele também queria uma noite de sono tranqüilo.

Crianças
O Taleban estaria recrutando meninos para defender o regime, segundo afirmaram refugiados que atravessaram a fronteira para o Paquistão. "A situação é muito grave. O Taleban está armando esses meninos e pedindo para que eles lutem pelo país", afirmou Aslam Achakzai, um refugiado afegão que chegou hoje à cidade de Quetta, no Paquistão.
Outros refugiados asseguram que o regime está proibindo muitas famílias de deixar o país.
O êxodo começou mesmo antes dos ataques, que pioraram a já grave crise alimentar do país.


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