São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

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DIPLOMACIA

Governo brasileiro não teve evidências conclusivas da ligação do terrorista com o ataque

Mesmo sem provas, Brasil se convence da culpa de Bin Laden

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Diferentemente do que divulgaram autoridades brasileiras na semana passada, o governo dos Estados Unidos não entregou ao Brasil provas conclusivas de que o saudita Osama bin Laden é o responsável pelos ataques de 11 de setembro contra os EUA. Mesmo assim, alguns ministros demonstraram estar satisfeitos com a explicação recebida.
Na realidade, o Brasil e mais outra dezena de países considerados aliados pelos EUA receberam visitas de diplomatas norte-americanos com uma lista genérica de evidências que supostamente demonstrariam a responsabilidade de Bin Laden. Nenhum documento foi apresentado como prova material. O governo brasileiro também não pôde ficar com os papéis dessa apresentação.
No caso do Brasil, três ministros foram contatados separadamente na última quarta-feira, por representantes dos EUA: Celso Lafer (Relações Exteriores), José Gregori (Justiça) e Geraldo Quintão (Defesa).
Além do embaixador interino dos EUA no Brasil, Cristóbal Orozco, que é o encarregado de negócios da embaixada em Brasília, havia mais outros três norte-americanos nos encontros: um diplomata, um militar e um representante da CIA (serviço secreto daquele país).
Os encontros com os ministros brasileiros duraram cerca de uma hora. Em um dos casos, apenas 40 minutos. Os norte-americanos eram bem objetivos. Diziam logo no início que a reunião era uma determinação do Departamento de Estado de seu país -trata-se do equivalente ao Ministério das Relações Exteriores no Brasil.
A idéia era apresentar a países amigos as evidências contra Bin Laden, sempre ressalvando que os EUA se consideravam respaldados para atacar por causa do artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que fala sobre países atacados e possíveis revides.
Tratou-se, portanto, de uma operação diplomática dos Estados Unidos. Segundo uma das pessoas que assistiram a um dos encontros da semana passada, foi uma "tentativa de mitigar um pouco a imagem de arrogância que o país tem por causa de ações passadas, quando atacou sem explicar direito a razão".
Os representantes norte-americanos diziam que estavam ali para que os países aliados não corressem o risco de receber informações por meio da imprensa. Eles souberam que teriam de promover essas reuniões pela TV. "Soubemos pela CNN que o Departamento de Estado determinaria às embaixadas este procedimento. Só depois é que recebemos o comunicado oficial", disse um dos representantes dos EUA, segundo a Folha apurou.
Os norte-americanos disseram que estavam convictos da culpabilidade de Bin Laden. Repetiam o que o governo do Reino Unido colocou à disposição do público em geral no seu site na internet (www.number-10.gov.uk), texto que a Folha reproduziu na edição de sábado, dia 6.
A Folha pediu a um brasileiro que participou de uma das reuniões na semana passada que lesse o documento britânico e o comparasse com o teor das explicações apresentadas pelos norte-americanos. "É exatamente a mesma coisa. Provas, não há."
Assim como no documento britânico, os norte-americanos disseram na semana passada em Brasília que não poderiam revelar dados que comprometessem o sigilo de suas fontes secretas na investigação.
Estavam munidos na reunião de uma pasta com papéis esparsos. Eram cerca de 80 folhas, que ficavam à disposição das autoridades brasileiras para manuseio, mas não para serem copiadas.
Não havia provas contra Bin Laden nesses papéis. Apenas afirmações peremptórias, como a de que pelo menos três dos supostos seqüestradores dos aviões em 11 de setembro pertenceriam à organização Al Qaeda, comandada por Bin Laden.
Os norte-americanos foram extensivos na hora de descrever o padrão dos atentados do dia 11 de setembro em comparação a outras ações -como os ataques à embaixadas dos EUA na África, em 1998, e ao destróier USS Cole, no ano passado, no Iêmen. Segundo eles, o fato de haver uma similitude entre essas ações seria uma das provas de que Bin Laden seria o mandante.
O presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não disse em público se se convenceu com as explicações dos EUA, relatadas por Celso Lafer. Mesmo sem provas, os ministros brasileiros deram declarações na qual dão a entender terem ficado satisfeitos com as evidências recebidas.
Para Quintão, os dados apresentados foram "convincentes". O termo foi usado em uma nota oficial do Ministério da Defesa.
"As provas revelam uma conexão clara entre Bin Laden e uma rede de contato com o Afeganistão", disse Celso Lafer. "Mas não posso revelar todo o conteúdo da conversa que tivemos porque foi feita em confiança" -na realidade, tudo o que foi dito aos brasileiros já está disponível na internet, no site do governo britânico.
"O embaixador citou duas evidências do envolvimento de Bin Laden: a similitude das ações anteriores com as de agora e as declarações dele com ameaças explícitas aos EUA", declarou o ministro da Justiça, José Gregori.
Até agora, nenhum site do governo brasileiro apresentou o que seriam as supostas provas que os EUA teriam contra Bin Laden.


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