São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

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ANÁLISE

Batalha contra o terrorismo aproxima os EUA, a Rússia e a China

Aliança é a maior desde século 19

France Presse
Mulher passa diante de grafite em muro próximo do Anhangabaú, em São Paulo, no qual estão reproduzidos o presidente Bush, o WTC e Bin Laden


EDWARD N. LUTTWAK

Sem nenhuma análise sistemática, sem o habitual processo de consulta e revisão entre os diferentes departamentos do governo, os Estados Unidos adotaram uma política externa completamente nova. Ao fazerem da luta contra o terrorismo -não só contra os terroristas autores dos atentados de 11 de setembro- a maior das prioridades, mudaram as premissas básicas da política externa norte-americana.
Antes de tudo, essa política implica formar uma nova aliança antiterrorista com a Rússia, a China e a Índia, bem como com a Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte), o Japão e outros países que colaborem.
Uma aliança de grande potências em favor de uma ordem internacional é algo que não se via desde meados do século 19, quando a ameaça transnacional vinha dos revolucionários liberais. Inevitavelmente, a nova política externa entra em choque com as antigas prioridades, quer seja a respeito dos direitos humanos no caso da China ou a respeito da defesa contra mísseis balísticos, que já não poderá ser imposta à Rússia.
Essa revolução na política externa se produziu de maneira espontânea imediatamente depois do 11 de setembro. Quando os Estados Unidos exigiram do Paquistão o final de seu pródigo apoio ao governo Taleban no Afeganistão, descobriram que estavam forjando uma nova aliança.
A Índia, naturalmente, estava disposta e desejosa. E a ameaça implícita obrigava o Paquistão a evitar o isolamento internacional. A reação russa não foi um protesto contra a intimidação norte-americana, mas, ao contrário, uma oferta imediata de cooperação, tornada mais concreta a cada dia que passa, de forma que as tropas dos EUA agora têm acesso às antigas bases soviéticas na Ásia Central e com pleno apoio russo.
Só a China poderia ter interferido, em apoio ao Paquistão, contra a pressão dos EUA -mas não o fez. Apesar das graves tensões sino-americanas, que pareciam se encaminhar a um confronto direto nos primeiros meses deste ano, o fator decisivo para a China, como para Rússia e Índia, provou ser a ameaça islâmica: houve atentados a bomba em ônibus de Pequim e ataques em Xinjiang.
O primeiro alvo da nova política e da nova aliança será o Taleban, que governa boa parte do Afeganistão, hoje sede de movimentos adversários de Rússia, China e Índia. A estratégia óbvia é confiar na cooperação paquistanesa, ainda que hesitante, para pôr fim ao fluxo de munição que chega ao Taleban. Eles precisam dela para continuar lutando, já que não existe produção local ou outros fornecedores estrangeiros. Ao mesmo tempo, Estados Unidos e Rússia cooperarão para aumentar as entregas de suprimentos militares à Aliança do Norte, que continua a ser o governo internacionalmente reconhecido do Afeganistão, embora controle apenas uma fração do território do país.
O dinheiro também vai desempenhar seu papel. O Taleban conquistou boa parte do Afeganistão não por meio de combates, mas empregando os fundos recebidos de doadores árabes por intermédio dos serviços militares de inteligência do Paquistão, para comprar a lealdade dos chefes tribais e líderes de facções.
Agora, o equilíbrio de verbas pode mudar o equilíbrio do poder. Mesmo que os sauditas e paquistaneses não suspendam o envio de dinheiro para o Taleban, a Aliança do Norte poderia superá-los com a ajuda de verbas norte-americanas. Independentemente da morte ou captura de Osama bin Laden no processo, o povo afegão e o mundo se beneficiariam enormemente da derrota do Taleban. Algo que vale a pena conseguir e que os Estados Unidos não obteriam por si sós.
É evidente que tudo isso tem um preço. Para conseguir apoio contra os terroristas inimigos dos Estados Unidos, os norte-americanos precisam se opor em igual medida aos terroristas inimigos da China, Índia e Rússia. Ainda que o Hamas, palestino, com seus terroristas suicidas, esteja excluído, a primeira lista de organizações proscritas publicada pelo governo norte-americano já inclui grupos que lutam na Caxemira -que, sob outros pontos de vista, poderiam ser considerados lutadores da liberdade. E os EUA tampouco podem manter suas reservas a respeito da Tchetchênia, onde os russos enfrentam uma ameaça islâmica e um movimento nacional pela independência.
Depois do 11 de setembro, muitas decisões drásticas foram tomadas. Diante de fanáticos impiedosos capazes de explorar as vulnerabilidades inerentes à vida moderna, os Estados Unidos organizaram uma aliança internacional em favor da ordem, mais que em favor da liberdade -se é que essa escolha se aplica. Não é necessário deplorar o fato, mas há que reconhecê-lo.

EDWARD N. LUTTWAK, historiador americano, é membro dirigente do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos de Washington, integra grupo de estudos do Departamento de Defesa e foi consultor do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. É autor de nove livros, entre eles "Turbocapitalismo" (Nova Alexandria)

Tradução de Paulo Migliacci



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