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COMENTÁRIO
Todo mundo aqui conspira ao ar livre
OSCAR MEDINA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Se tudo o que dizem é verdade,
talvez a Venezuela tenha acordado hoje com um governo novo.
Ou, então, pode ser que na tarde
de hoje estejamos nos matando
nas ruas ou sendo massacrados
por soldados obedientes. Ou mesmo, quem sabe, descansando os
pés depois de ter participado
-parafraseando Saddam, o amigo de Hugo- da mãe de todas as
marchas, enquanto vemos TV, à
espera do anúncio da greve total.
Ou à espera de algum pronunciamento do alto comando militar
anunciando que o mesmíssimo
Hugo Chávez, num arroubo de
sensatez inabitual, veio dizer o
que tantas pessoas gostariam de
ouvir de sua boca: "Não me empurrem, já estou de saída".
Anteontem, quem apareceu foi
o ex-ministro Luis Miquilena, declarando que Chávez renunciará
"quando chegarmos ao ponto de
ebulição". Sim, ele sabe, pois foi
seu mentor, velha raposa política.
O infeliz prognóstico traça o quadro do desenlace que aguarda este
país que depositou suas esperanças em quem não devia. Ebulição?
Sim, já estamos em ebulição.
A matriz da opinião que vem
sendo gestada nas últimas semanas alimenta a idéia de que agora,
sim, vai acontecer -que neste
mês o homem cai, seja da maneira
que for, porque este governo não
se aguenta mais. Todo mundo
aqui conspira ao ar livre; na TV e
nos jornais, só se fala de qual será
a saída, de como será preciso enfrentar o futuro e como se poderá
recuperar a nação depois do descalabro que sofreu.
É quase uma constante científica: junte dois venezuelanos por
mais de dois minutos e a pergunta
virá, inevitável: "E para quando é
a coisa?". A "coisa", já se sabe, é o
golpe de Estado, a renúncia forçada, a convocação de novas eleições ou qualquer das variantes
-democráticas ou não- que
permitam a saída de cena deste
mandatário por cuja conta se registram dois grandes feitos: que
uma parte da Venezuela tenha
passado a odiar a outra e que setores que tradicionalmente se enfrentavam como partidos políticos rivais, operários e patrões, milionários e esquerdistas atiradores
de pedras, se sentem para especular e dar palpites quanto à data em
que "a coisa" vai acontecer.
O presidente vem tendo alguns
dias cansativos. Ele tem relatado
os inteligentíssimos trabalhos de
inteligência com os quais desmascarou um golpe de Estado. É curioso, porém, que da onda recente
-nas últimas 72 horas- de invasões forçadas das casas de alguns civis e militares assinalados
como cérebros do golpe abortado, não tenha saído um único detido, uma única acusação formal
ou um único documento que possa ser brandido como prova de algum delito. E isso contando que
há conspiradores por toda parte.
No calor de sua luta, nosso singular mandatário teve tempo para
fazer um gesto cortês em relação a
quem ele supõe ser seu vizinho
ideológico: o senhor Lula. O presidente enviou a ele uma réplica da
espada de Simón Bolívar, herói
nacional cuja imagem o tenente-coronel Chávez manuseou até o
indizível. Certamente ele salivará
de prazer, imaginando-se aliado
de Lula, erguendo a lâmina simbólica na gloriosa luta que os
aguarda, a façanha que voltará a
libertar este continente tão oprimido. Mas o mandatário não apenas anda com os pés nas nuvens.
Ele também olha à sua volta e vê
que "a coisa" se aproxima, consulta seus assessores, deve fazer
algumas ligações para Havana e
tomar decisões: tanques resguardando o palácio do governo, a
Guarda Nacional nas ruas e uma
mobilização de pessoal e equipamentos militares digna de um
desfile de Dia da Independência.
Para defender-se do quê? De uma
oposição que a cada dia se coordena e se descoordena segundo os
apetites de poder e controle de alguns de seus procuradores? Ou de
uma população que simplesmente não o quer mais?
Enquanto se escrevem estas linhas, o ruído dos boatos vem
crescendo. Na TV, os noticiários
não descartam um cenário de terror que incluiria a tomada de suas
sedes e ações que anulariam a capacidade de transmissão de suas
antenas instaladas no monte Ávila, em Caracas. Como no último
11 de abril, já começou o coro de
oficiais das Forças Armadas advertindo para a possibilidade certa de que o governo, através de
soldados ou de seus grupos de civis armados, avance contra a passeata da oposição. A previsão é
que alguma coisa aconteça hoje à
noite mesmo. É absurdo negar a
realidade de que Chávez ainda detém uma boa cota de apoio popular entre os setores mais pobres,
aqueles que não têm nada a perder. Ele não está só, mas tampouco tem tudo a seu lado.
Oscar Medina é jornalista do diário venezuelano "El Universal"
Tradução de Clara Allain
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